Sistema Confea/Crea está em luto pela morte de Ana Primavesi

Foto de acervo pessoal/Facebook

Considerada pelo universo acadêmico e de produção rural como mãe da agroecologia, a engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi completaria cem anos no dia 3 de outubro de 2020. No último domingo (5/1), porém, a pioneira em cultivo e ensino de agricultura orgânica no país teve sua trajetória interrompida, em decorrência de complicações cardíacas. O centenário de Primavesi marcará o terceiro ano em que é celebrado no Brasil o Dia Nacional da Agroecologia. A data foi estabelecida por lei no final de 2017, e teve como motivação o aniversário da profissional.

Nascida na Áustria Annemarie Conrad, a agrônoma herdou o sobrenome Primavesi do marido, Artur Primavesi, e adaptou o primeiro nome ao novo país quando chegou ao Brasil, em 1948. Formada em Engenharia Agronômica e doutura em Cultura de Solos e Nutrição Vegetal pela Universidade Rural para Agricultura e Ciências Florestais de Viena (Boku – Universität für Bodenkultur), Primavesi revolucionou a agricultura brasileira - é responsável direta por boa parte dos avanços sobre as ciências do solo e seu manejo e pela difusão da agricultura ecológica (agroecologia) no país. 

Primavesi é autora de 94 artigos científicos e 11 livros, pesquisadora e fundadora da Associação da Agricultura Orgânica (AAO) - uma das primeiras associações de produtores orgânicos do Brasil -, e foi professora da Universidade Federal de Santa Maria, onde ajudou a organizar o primeiro curso de pós-graduação em Agricultura Orgânica. 

“A produção e os ensinamentos de Ana Primavesi foram fundamentais para o estabelecimento de uma cultura de cultivo de orgânicos no país. O Sistema Confea/Crea lamenta a perda dessa profissional e revolucionária, justamente no ano de centenário de seu nascimento”, afirmou o presidente do Confea, eng. civ. Joel Krüger.

O coordenador nacional das Câmaras Especializadas e Agronomia (CCEAGRO) e presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab), eng. agr. Kleber Santos, agradeceu o legado de Ana Maria Primavesi. "Ela contribuiu para o estabelecimento das bases de sustentabilidade para a agricultura nos Trópicos. A agronomia brasileira agradece e a Confaeab reverencia a perpetuidade dos ensinamentos de Ana Primavesi. Somos todos Primavesi", manifestou.

O conselheiro federal eng. agr. Annibal Margon também reconheceu a atuação expressiva da profissional que, segundo ele, deixou fundamentos técnicos fincados na história agronômica do Brasil. “A perda da engenheira agrônoma Ana Primavesi é sem tamanho. Primeiro por ter sido mulher e depois por ser pioneira ao estabelecer os conceitos agronômicos de produção sustentável dentro de uma conformação ecológica”, frisou Annibal.

 

Ana Primavesi em solenidade de homenagem realizada durante a 74ª Soea, em agosto de 2017


Em março de 2019, na ocasião da solenidade em referência ao Dia Internacional da Mulher, Joel Krüger mencionou Ana Maria Primavesi como exemplo de mulher “revolucionária e grande guerreira”. Na 74ª edição da Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia, realizada em 2017, em Belém (PA), Primavesi foi uma das homenageadas especiais indicadas pelo plenário do Confea. A agrônoma também esteve entre as personalidades selecionadas para integrar a campanha “Engenheiros notáveis”, promovida pelo Confea em 2018.

 


 


Vida e obra

Annemarie Conrad nasceu em 3 de outubro de 1920, em um pequeno município da Áustria chamado Sankt Georgen ob Judenburg, à época com cerca de mil habitantes (atualmente, o censo da região registra 850 residentes). Primogênita de Sigmund Conrad, Annemarie tinha cinco irmãos. Foi na área que circundava o castelo de Pichholfen, onde a família habitava, que nasceu a paixão de Annemarie pelas ciências agrárias. Na Universidade Rural para Agricultura e Ciências Florestais, Annemarie tinha outras duas colegas mulheres em uma turma de quase trezentos alunos, em um momento em que o mundo acadêmico era malvisto pelos então governantes da região.

Ana e Artur Primavesi no laboratório da Universidade de Santa Maria, 1962. Foto disponível na contracapa de sua biografia "Ana Maria Primavesi: histórias de vida e agroecologia", de Virgínia M. Knabben

Vítima da Segunda Guerra Mundial, a agrônoma perdeu irmãos, enfrentou fome e trabalho forçado na Europa, onde, finda a guerra, chegou a ficar presa por nove meses por se posicionar contra a ocupação inglesa – e de qualquer ordem – na região do castelo onde morava a família. No mesmo ano em que foi solta, em 1946, casou-se com o fazendeiro, diplomata e também doutor Artur Primavesi, parceiro de vida e de pesquisas agronômicas. O casal se mudou para o Brasil em 1948, na esperança de poderem criar filhos longe da experiência da guerra.

Ana Primavesi dá autógrafos durante a 74ª Soea, em Belém, PA (agosto/2017)

Após passarem pelo interior dos estados de Minas Gerais e São Paulo e registrarem sucesso com trabalhos de recuperação de solo, em 1961 a família – agora com três descendentes: Odo, Carin e Artur - se mudou para o Rio Grande do Sul. Na Universidade Federal de Santa Maria, Primavesi deu aulas sobre produtividade de solos, deficiências minerais, agrostologias, e participou da criação do primeiro curso de pós-graduação em Agricultura Orgânica da instituição.

Após a morte do marido, em 1976, Primavesi retornou para o interior de São Paulo. Com os dois filhos formados e casados (o caçula faleceu em um acidente de trânsito, aos 32 anos), foi em uma fazenda em Itaí que Primavesi recomeça sua vida: lá, ela sistematizou seu conhecimento em artigos e livros – publicou 94 artigos acadêmicos e 11 livros – e viajou o mundo, ministrando palestras em congressos e eventos. De acordo com biografistas e pesquisadores, a prioridade de Ana era falar sobre a agronomia e as ciências da terra em linguagem de fácil compreensão.

Considerado o pilar da agroecologia, seu livro Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais foi publicado em 1979, após dificuldade de encontrar editora: o livro era tido como polêmico, uma vez que contestava a ideia de se replicar no Brasil técnicas agrícolas da América do Norte e da Europa. De acordo com Virgínia Mendonça Knabben, biografista de Primavesi, a agrônoma vinha escrevendo a obra desde a década de 1960, reunindo ideias defendidas pelo casal, que dispensava agrotóxicos e questionava o uso da adubação química. Em 2016, Primavesi publicou um livro de contos infantis – A convenção dos ventos – por meio do qual conduz uma iniciação agroecológica, ao tratar de forma lúdica a interação entre os organismos e o ambiente.

A morte de Ana Maria Primavesi foi destacada em diversos meios de comunicação - como os jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Canal Rural, Globo Rural e a revista Marie Claire. Sua obra e legado foram reverenciados por jornalistas, parlamentares e influenciadores, como Luis Nassif, Érica Kokay, Marcelo Freixo, Xico Graziano e Bela Gil. O site anamariaprimavesi.com.br reúne um rico acervo da produção da engenheira agrônoma.


Beatriz Craveiro
Equipe de Comunicação do Confea


Referências: