Quidauguro Marino Santos da Fonseca

 O lápis, o esquadro, o papel;

o desenho, o projeto, o número:

o engenheiro pensa o mundo justo,

mundo que nenhum véu encobre.

(João Cabral de Melo Neto, O engenheiro)

 

Símbolo de aridez, aspereza, racionalidade, mas também de um lirismo discreto, latente, a poesia do pernambucano João Cabral de Melo Neto poderia representar a figura do engenheiro civil Quidauguro Marino Santos da Fonseca,  cujo nome hoje remete a uma importante avenida de Cuiabá, entre os bairros Praeirinho e Coophema, e ainda a um dos profissionais da Engenharia mais dedicados na história do Estado. 

Cuiabano arraigado, em seus 63 anos de uma existência marcada pela prodigalidade das ações, Quidauguro pouco se esforçava para contrapor-se às aparentes contradições de sua personalidade. Ao contrário, o engenheiro preferia a discrição. E, paradoxalmente, revelava obras e mais obras para sua cidade, fomentando a esperança em suas criações de concreto e de vida, como uma herança aos cinco filhos de seus dois casamentos: Thalita Maria, Thales Marino, Mayra Lane, Milena Lane e Pedro Paulo, o caçula, estudante de engenharia civil.

Uma herança também à cidade em que fora o único dos 13 irmãos a se formar, enfrentando dificuldades. Mais velho e “segundo pai de todos”, vendeu balas na infância, ajudou o avô caminhoneiro. Economizava para estudar, até mesmo chegando a dormir na faculdade e a calçar-se apenas na hora das aulas. Esforço recompensado pela competência que o fez assumir postos importantes do município, logo após a formatura.

Ao longo de décadas, generosidade e firmeza conviviam lado a lado. “Tinha uma expressão forte, uma postura firme que estranhava um pouco. Mas era muito tranquilo, com um coração que não cabia dentro do peito”, descreve uma das filhas, a publicitária e coordenadora de eventos Milena Lane. O samba, o chorinho e o Roberto Carlos que ouvia em seus raros momentos de descanso ajudam a desmistificá-lo um pouco mais.

Pavimentações de águas pluviais, pavimentações asfálticas, drenagens em viadutos, avenidas e construções de praças, clínicas, postos de saúde, creches. Pouco a pouco, a “cidade diária”, capital de todos os mato-grossenses, exalava “cimento e vidro”, lembrando o João Cabral dos versos de “O Engenheiro”.

“Ele jamais pensou em ter uma carreira política, detestava a politicagem. Também nunca quis dar aulas, mas sempre foi muito respeitado”, acrescenta Milena. “Sou engenheiro, não sou secretário, estou como secretário”, dizia, com a precisão e o orgulho da atividade descrita pelo vate pernambucano no mesmo poema: “O engenheiro pensa o mundo justo”.

Quidauguro expressava suas opiniões com parcimônia. “Ele tinha autoridade para falar, mas só falava quando era chamado”.  Já em relação ao trabalho, não poupava esforços: participava de todo o processo das obras, em projetos que não raro chegavam à casa da família e que, mesmo antes de prontos, tornavam-se o passeio e o lazer para os filhos. “Ele fiscalizava as obras aos domingos, e nos levava às vezes. Outras vezes, gostava de pescar. E não tirava férias. Só parou de trabalhar no hospital”.

Familiares, amigos e a cidade de Cuiabá ainda lamentam sua ausência. “Com ele não tinha domingo, não tinha feriado, não tinha nada. Sua morte causou uma comoção grande porque ele era um chefe muito sério, mas tinha um coração de manteiga. Era muito companheiro e admirado pelos colegas, por sua capacidade técnica. Um verdadeiro arquivo vivo de Cuiabá, pois acompanhou mais de 50% das obras da cidade”, reforça a engenheira civil Tieko Arabori Yamamoto, colega de Quidauguro desde 1980, na Prodecap e depois na Secretaria de Obras.


Por Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea