Aumento de carga tributária para serviços preocupa especialistas

Vitória, 9 de outubro de 2026.

Com a compreensão de que a reforma tributária – viabilizada pela promulgação da emenda constitucional 132 /2023, regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 –   é necessária ao país, profissionais do Direito apresentaram seus pontos de vista sobre qual reforma seria possível fazer, no painel “Impactos da Reforma Tributária para os Engenheiros, Agrônomos e Geocientistas”, realizado na tarde desta quinta-feira (9 /10), último dia da 80ª Soea, em Vitória (ES). Ao fim do debate, ficou constatado que as incertezas para os setores ligados ao Sistema ainda são grandes, mas há grande preocupação com o iminente aumento da carga tributária em relação à prestação de serviços.

 

Secretário Executivo do Crea-SP, advogado Holmes Naspolini mediou o debate
Secretário Executivo do Crea-SP, advogado Holmes Naspolini mediou o debate



“Historicamente, tivemos dois marcos significativos em relação às reformas orçamentária e fiscal do Brasil. Uma se deu na década de 1960, com a aprovação do Código Tributário Nacional (CTN), no mesmo ano da nossa lei 5.194, que rege o Sistema Confea /Crea. Mas houve uma oxigenação com a Constituição de 1988, que cria uma nova distribuição de competências”, apontou inicialmente o moderador Holmes Naspolini, advogado e Secretário Executivo do Crea-SP. Os painelistas foram a advogada, professora de Direito Administro e assessora da presidência do Confea Fernanda Marinela e os advogados Luca Priolli Salvoni e  Vinicius Gustavo Martins da Cruz.
 

Especialista em Direito Administrativo, advogada Fernanda Marinela
Especialista em Direito Administrativo, advogada Fernanda Marinela

 


Carga complexa
Primeira a se manifestar, Fernanda Marinela ratificou a complexidade da estrutura tributária brasileira, com uma carga “muito pesada” e “não voltada ao desenvolvimento do país”. Além de mudar esse cenário, ela destacou a variação na cobrança das cargas tributárias entre os estados. “Isso gerava desigualdades sociais entre as regiões. Baixar os tributos é válido, mas como mexer nessa estrutura complexa”, disse, apontando que a reforma começará em 2026 e seguirá até 2033. “Se tudo  der certo, e for  como  o planejado. Quem está preparado para essa mudança que mexerá com qualquer cidadãoPrecisamos nos preparar para isso”.

Mudanças
Holmes questionou em seguida quais foram os principais acertos e os principais desgastes envolvidos no modelo anterior, constitucional.  Luca Salvoni destacou que o ISS (municipal) e o ICMS (estadual) geram uma situação tributária “muito difícil de transitar”. Cada lugar impõe sua regra, disse, o que permitiu que cada ente fomentasse o desenvolvimento da atividade local via tributo. “Essa confusão gerou a guerra fiscal que gerou um espraiamento da atividade econômica, houve uma descentralização da atividade econômica que talvez tenha sido o maior acerto. Mas se isso foi por querer tenho dúvida. Eu acho que era lobby e acabou dando certo”.

 

Advogado tributarista Luca Salvoni
Advogado tributarista Luca Salvoni



Ao concordar com a desconcentração possibilitada pelos novos instrumentos tributários possibilitados pela Constitiuição de 1988, que reduziu a política do “pires na mão, à mercê da União”,  Vinicius Martins considera que a emenda constitucional nº 132 adotou a ideia do tributo único, adotado em outros países. “Depois, por questão de anseio político novamente, decidiu-se por um IVA (Imposto de Valor Agregado) dual, por meio da criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), a estados, municípios e Distrito Federal, e da CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços), restrita à União. 

“Criou-se a ideia de um sistema neutro, em questões tributárias não seriam utilizadas para fins de decisões econômicas, e não-cumulativo, para não haver perda de arrecadação, teria o recolhimento do IBS no destino, repassado àqueles entes municipal e estadual”, disse, ponderando que a extensão do país pode prejudicar a execução de tal proposta e manifestando acreditar que a Reforma possa ser um “divisor de águas em relação à sonegação fiscal”. Vinicius acrescentou que os setores do agro e da construção civil passarão por mudanças significativas.

Aprendizagem
Ao considerar que estamos passando por um momento de aprendizagem sobre a nova legislação, Holmes afirmou que a modelagem até então experimentada por nós, com a classificação tripartite ou pentapartite de impostos, contribuições e taxas, não são compreendidos pela população. “A simplificação veio nas figuras de um imposto e de uma contribuição. Havia uma lógica de tributação do consumo, da propriedade, da produção. Essa lógica vai mudar um pouco”.

 

Também tributarista, Vinicius Martins analisou cenários
Também tributarista, Vinicius Martins analisou cenários



“A gente buscava uma igualdade, uma isonomia, e agora a gente corre o risco de estabelecer mais desigualdade quando a gente pensa que as empresas vão se deslocar para os grandes centros de novo. O IVA foi definido de forma dual: a contribuição substituiria o PIS/Cofins. O IBS substitui o ICMS e o ISS”, pontuou mais didaticamente Fernanda Marinela.

Da mesma forma, Luca Salvoni afirmou que a reforma passará a valer de verdade em 1º de janeiro de 2027, quando tanto as empresas, como as Pessoas Jurídicas (PJs) terão o PIS/Cofins, ICMS e ISS substituídos pelo IVA Dual. “Se houver uma relação de consumo, tenho o IVA sobre tudo o que eu vendo, menos tudo o que compro, gerando um Delta sobre o qual eu aplico tal IVA, somo com três alíquotas: da União, do Estado e do Município. Você vai recolher para um comitê gestor”, disse, sendo informado por Vinicius Martins que a composição deste se encontra judicializada. “A simplificação é uma vantagem, mas tem a desvantagem da falta de flexibilidade, que impossibilita que o município incentive a empresa a ficar na sua área”, situou.

Incertezas para a administração pública e para os serviços 
As incertezas que envolvem desde o Comitê Gestor ainda atravessam outros aspectos levantados pelos especialistas. “Os municípios produtores terão uma arrecadação maior”, afirmou Vinicius. “Acredito que haverá um impacto sobre a administração pública, considerando que o grande comprador do Brasil é o Estado, principalmente, porque agora com a (Lei) 14.133/2021, os prazos serão maiores e os contratos serão afetados”, comentou Holmes Naspolini. 

Fernanda Marinela apontou se as secretarias de Fazenda deixarem de ser órgãos arrecadadores, deverá haver mudanças. “E haverá um fato superveniente que irá gerar um desequilíbrio, com a carga tributária mais pesada para uma das partes. Vai ser necessário repactuar o valor desse contrato. Então, a gente não tem uma expectativa positiva de que a carga tributária vá melhorar. Mas se o comitê funcionar de forma séria, e o repasse funcionar de forma efetiva, eu terei um reequilíbrio mais objetivo, calculado de forma mais fácil. Caso contrário, haverá ações judiciais. Concluir a obra pública não é uma tarefa fácil, e a tendência é de ficar ainda mais difícil com a nova carga tributária”.

 

Participantes do debate sobre a Reforma Tributária: necessidade, incertezas e constatação de aumento da carga para os profissionais do Sistema
Participantes do debate sobre a Reforma Tributária: necessidade, incertezas e constatação de aumento da carga para os profissionais do Sistema



Vinicius Martins lembrou que havia uma variação de 2 a 5% na alíquota de serviços, conforme cada ente federativo. “Não tomava-se crédito porque basicamente serviços não têm crédito. Quando o engenheiro abre seu escritório, ele tem um contador, tem as máquinas, mas de certa forma isso não gera um crédito efetivo. Com a reforma, passa a ter aumento muito alto em relação aos serviços. Porque você não tem crédito,  praticamente,  para ser tomado. Então, passamos para uma alíquota que vai para 28%. Mas tem uma redução de 30% para algumas classes e foi estabelecida uma redução de 60% de insumos para os serviços de engenharia agropecuária. Fico extremamente preocupado em relação à prestação de serviços. O serviço do médico, do engenheiro, vai ser repassado, mas há de fato um aumento da carga tributária nesse setor”, considerou. “No tocante à construção civil, há de fato aumento da carga tributária”, expôs em seguida, ratificando posicionamento manifestado por Luca Salvoni.

 

Texto e edição: Henrique Nunes (Confea)
Fotos: Sto Rei e Impacto/Confea