Aos 65 anos, Engenharia Florestal descreve cenários para o futuro

 

Engenharia Florestal: 65 anos de atividades no país com status de importância cada vez maior diante dos desafios climáticos para o século XXI
Engenharia Florestal completa 65 anos de atividades no Brasil, ganhando status com os desafios climáticos para o século XXI

 

Vitória, 8 de outubro de 2025.

Os desafios da Engenharia Florestal passam, a exemplo de outras engenharias, pelos desafios das mudanças climáticas. Esta é uma das constatações do painel “Os 65 anos da Engenharia Florestal no Brasil e os Novos Desafios da Profissão”, durante o terceiro dia da 80ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (Soea), em Vitória, nesta quarta (8). A formação na profissão conta atualmente com 68 cursos espalhados em todo o país.  

“Estamos preocupados em sair daqui com diretrizes para o futuro do Brasil, algo que não tem como acontecer sem a participação do engenheiro florestal, tanto no campo da produção, para gerar os produtos e serviços que a sociedade precisa, mas também dessa grande demanda planetária que é o combate às mudanças climáticas”. Assim, o moderador do debate e vice-presidente do Confea, eng. ftal. Nielsen Christianni, introduziu a discussão.

Além dos 65 anos da instalação do primeiro curso de Engenharia Florestal no país – a Escola Nacional de Florestas, inicialmente em Viçosa (MG) e três anos depois, em Curitiba (PR) –, o ano de 2025 foi marcado pelo lançamento do Manual de Boas Práticas de Arborização Urbana, em iniciativa do Confea e da Coordenadoria de Câmaras Especializadas de Engenharia Florestal (CCEEF). Prefeituras, profissionais e a sociedade em geral podem conhecer as boas práticas da arborização urbana, considerada um fator indispensável para enfrentar os desafios climáticos. O lançamento foi realizado durante a segunda reunião ordinária da CCEEF, em maio deste ano.

 

Conselheiro federal eng. ftal Nielsen Christianni
Vice-presidente do Confea, eng. ftal Nielsen Christianni

 

Outro marco do ano é a COP 30, a ser realizada no próximo mês, na cidade de Belém (PA). Atuação profissional regulamentada, reconhecimento de acervos técnicos profissionais e operacionais e ainda projetos, ações e serviços voltados à mitigação de emissões, ao aumento do sequestro de carbono, à oferta de serviços ecossistêmicos e à melhoria da qualidade de vida da população foram temas tratados durante a reunião de maio.

Cenário obscuro

Ao início da sua conversa “densa”, o eng. ftal. Marcos Leandro Kazmierczak traçou um cenário assustador  para o país, diante dos desafios das mudanças climáticas. “Mudanças climáticas e os desafios da silvicultura” foi o nome dado à apresentação, iniciada com a informação de que, em 1964, estávamos com 319 ppm. “É a concentração de dióxido de carbono que tinha quando eu nasci. E agora está em 427 e continua subindo”.

Talvez por isso, o secretário geral da ONU, Antonio Gutiérrez, fale não mais em mudança climática, mas em emergência climática, ressaltou Marcos Leandro. “Eu assino embaixo”. Ao informar que o conteúdo da apresentação seria “denso”, ele ressaltou que “as tendências não são nada boas, são muito desafiadoras”.  

Marcos citou o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas que antecipou, dois anos antes da Eco-92, que o mundo iria mudar. “Ninguém precisa ser gaúcho para sentir o impacto do que aconteceu ano passado”, acrescentou, apresentando imagens sobre a destruição de várias regiões do Estado. “A gente teve 1 milhão e 599 mil hectares inundados, dez vezes a cidade de São Paulo. E 16 mil movimentos de massa, gerando cicatrizes como 12.7 hectares que movimentaram 996 mil toneladas de solo, entre Bento Gonçalves e Potiporâ”.  

Com dados do Cadastro Ambiental Rural – CAR, ele informou que 72.529 imóveis rurais foram inundados, 10.497 imóveis rurais com movimento de massas e 550.995 edificações afetadas pelas inundações. “Em 30 dias, nós tivemos mais óbitos do que em 30 anos em eventos climáticos. Foram 181 óbitos em 8.199 eventos, contra óbitos em 478 eventos do ano passado”, descreveu.

Após apontar o aumento da concentração de dióxido de carbono e de outros gases na atmosfera, e efeitos como o aumento da temperatura na Terra, o engenheiro florestal declarou que “as temperaturas médias e as anomalias de temperatura estão aumentando”. Justificando o aumento do nível do mar pelo aumento nas temperaturas a baixas altitudes, ele considerou ainda que 2024 não foi apenas o ano mais quente da história, foi também o ano com maior conteúdo de umidade adicional na atmosfera.  

 

Números apresentados pelo engenheiro florestal Marcos
Números apresentados pelo engenheiro florestal Marcos Kazmierczak ratificam importância da atuação da engenharia florestal em todo o mundo

“Se não é natural, é causado pelo homem. Isso é causado pelo efeito estufa. Só não aceita quem não quer. A escassez de água vai aumentar ainda mais, ao mesmo tempo que os eventos climáticos extremos. Essa teoria já virou prática”, disse Marcos Kazmierczak , ao apresentar diversos dados. “No futuro, o cenário mais pessimista é de um aumento de oito graus e meio, em 2100. Até 2040, com o cruzamento desses dados, no Rio Grande do Sul,  o volume de chuva aumenta, em menos dias, com aumento das ondas de calor, com perda de produtividade de arroz e de vinho”, sustentou.

Palmeirização urbana

O urbano é um ambiente modificado pelo ser humano, e as mudanças climáticas estão chegando ao ser humano. “As ondas de calor contribuem com valores de três a 11 graus, tendo consequências na distribuição de áreas verdes. Houve 48 mil mortes decorrentes das temperaturas bruscas, com aumento das doenças pulmonares, algo que tem mais intensidade após a pandemia”, relatou a eng. ftal Flavia Brun, diretora científica da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU).

Gaúcha radicada no Oeste do Paraná, região que vem registrando 16% de umidade, gerando um “colapso” na saúde, ela relatou o aumento da frequência de desastres causados pelas chuvas no Brasil.  “Plantar árvores é muito mais do que embelezar cidades, é impactar na qualidade de vida, na saúde pública, no enfrentamento dos eventos extremos”, disse, informando que as realidades paranaenses não refletem uma visão prévia de uma plena cobertura vegetal.

Engenheira Flávia Brun descreveu os desafios para a devida arborização urbana, tema valorizado pelo Confea com publicação de manual
Engenheira Flávia Brun descreveu os desafios para a devida arborização urbana, tema valorizado pelo Confea com publicação de manual

 

Professara da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), ao abordar o tema “Florestas urbanas no contexto da sustentabilidade e resiliência climática”, ela questionou a “palmeirização urbana”. “O que uma palmeira em um vaso pode mudar nesta realidade? A gente está  trocando árvores. Para enfrentar a mudança climática, precisamos de sombreamento, precisamos de copas de árvores. Palmeira não produz isso. Na via pública, estou falando de direito para todos circularem, e não em ampliação do meu jardim”, disse, abordando ainda as podas, os dados oficiais e as métricas de arborização.

Licenciamento

Também engenheira florestal, Elisa Meirelles falou sobre “Os desafios da Engenharia Florestal no licenciamento florestal”, abordando a engenharia florestal, desde a silvicultura científica na Alemanha e França, no século XIX. Já no século XX, começa uma preocupação ambiental no Brasil com as criações do Código Florestal e do Código das Águas, em 1934. “Entre 1964 e 1975, alguns organismos internacionais se formam, com o novo Código Florestal de 1965 e a difusão do conceito de impacto ambiental”, resgatou, apresentando uma linha do tempo que passa pelo manejo, licenciamento ambiental, Rio-92, ampliação da atuação do engenheiro florestal, criação de ferramentas de monitoramento, sensoriamento remoto, geoprocessamento, planos de manejo e recuperação de áreas degradadas e questões como o regeneramento florestal e outras intervençõe mais pessoais.

 

Elisa Meirelles
Papel do inventário florestal foi uma das temáticas abordadas pela engenheira florestal Elisa Meirelles

 

Com experiência em projetos de cooperação internacional e coordenação de projetos ambientais, atuando nos setores público e privado, Elisa destacou o papel do inventário florestal, utilizando um modelo digital para acelerar os estudos e os resultados. “Hoje, fazemos um RIMA em três meses”, disse, apresentando ainda o uso de aplicativos para coleta de dados; o uso da Inteligência Artificial para fazer a diferenciação das florestas, oferecendo dados sobre a pegada de carbono, entre outros; uso de drones e sensores automáticos ou controlados remotamente e ainda de softwares que ajudam em relação aos erros amostrais.

Identificação botânica; definição de um orçamento com redução de custos; processamento dos dados; interceptação dos dados pra diferentes fitofisionomias; compensação; Sinaflor; adequação à legislação de cada estado e à fiscalização dos órgãos de licenciamento e DOF foram os principais gargalos e desafios apontados pela pesquisadora.  

Cadastro Ambiental Rural

"Uma das temáticas da Soea é a digitalização. E vamos falar sobre a estratégia federal de governo digital”, convidou o analista ambiental Pedro Salles, ao início da apresentação “O Cadastro Ambiental Rural como política pública para a ampliação do acesso digital aos serviços e às informações digitais dos imóveis rurais do Brasil”.

"Proteger as florestas é fundamental para mitigar as mudanças do clima, e o CAR é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais, integrando informações ambientais das propriedades rurais, que delimita áreas obrigatórias de conservação da vegetação nativa nas propriedades rurais e tornou-se o mais amplo cadastro rural brasileiro. O fomento ao desenvolvimento passa também pelo cadastro”, disse, lembrando as fases gerenciais do CAR.

Papel histórico  e novos rumos do Cadastro Ambiental Rural foram tratados pelo analista ambiental Pedro Salles
Papel histórico  e novos rumos do Cadastro Ambiental Rural foram tratados pelo analista ambiental Pedro Salles

 

“A criação de uma infraestrutura pública digital é como uma estrada. Ela pode ser usada por todos. Em breve, o sistema poderá ser exportado para outros países que tenham interesse em usar a tecnologia que o Brasil desenvolveu. Então, ele visa também promover o acesso dos dados. O Cadastro vai evoluindo. Em 2006, quando cheguei ao Ibama, o CAR ainda era responsabilidade do profissional, que digitalizava o mapa, vetorizava, era uma realidade bem diferente da atual”, referenciou.

Em 2014, foi lançada a primeira versão do serviço digital do CAR. Apresentando as etapas que compõem o CAR, Salles revelou números como 8,03 milhões de cadastros e 5, 69 milhões de km2 de superfície abrangidos pelo CAR. “O fluxo atual convive com o mundo digital. O sistema recebe, aplica rotinas automáticas de interpretação dos dados, desenvolvemos módulos de análise e aí pode haver a regularização ambiental ou a gestão de ativos”, apontou, informando que medidas para facilitar a integração das informações e ainda a decodificação dos dados serão apresentadas durante a COP-30.

Debate

Engenheiro Florestal Nielsen Christianni
Engenheiro Florestal Nielsen Christianni

 

O vice-presidente do Confea questionou a respeito dos dados apresentados por Marcos Leandro, buscando saber como os profissionais da engenharia florestal podem se preparar para mitigar esse cenário. “Estamos vivendo um momento em que é a melhor época para ser engenheiro florestal, mas a demanda nas universidades é muito pequena, faltam alunos. Cada prefeitura poderia ter no mínimo um engenheiro florestal. Ninguém tem uma formação mais voltada a resolver essa questão climática do que a gente, propiciando uma melhor resiliência climática. Temos estatísticas que falam que cada um quilômetro pavimentado aumenta em 700% o volume de água necessário. Temos uma omissão de vários níveis na ocupação de diversas regiões”, comentou ao final do debate, resumindo sua participação. “Nossa contribuição é muito grande, mas deixamos de ocupar espaços com as nossas atribuições. Temos muito a contribuir e a situação tende a ficar pior. Precisamos ter a capacidade de enfrentar. Mitigação, combater as causas. Adaptação, combater os efeitos. Precisamos atuar em ambas as situações”.

 

Eng. ftal. Flávia Brun
Eng. ftal. Flávia Brun

 

A Flávia, Nielsen lembrou a necessidade de sensibilização e do planejamento dos municípios em seus planos diretores.  “Devemos incentivar a divulgação do quão importante é selecionar uma árvore; os cuidados que a gente tem que ter; nós conhecemos as árvores, até o CPF. O conselho deve abrir esse espaço aqui na Soea, atuando com diferentes atores, participando da gestão pública. E também agregar a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, que vai realizar seu congresso nacional ano que vem em Recife, no mês de setembro. Isso é importante para vermos como vai chegar nos municípios e como a população pode também estar participando ativamente dessas ações em torno do manejo preventivo, não vendo a árvore como fator de queda e prejuízo, com a informação técnica”.

 

Eng. ftal. Elisa Meirelles
Eng. ftal. Elisa Meirelles

 

A percepção é de que a Engenharia Florestal, por meio do Código Florestal, situou a normatização do país por décadas, comentou o vice-presidente do Confea, ao questionar como os engenheiros florestais devem estar preparados para atuar no licenciamento ambiental, inclusive contando com a atuação do Sistema Confea/Crea. “Temos um leque de opções para trabalhar, mas no licenciamento ambiental, precisamos ter informações. Precisamos também aprender a ocupar espaços, se a pessoa gostar de campo. Precisamos trazer essas tecnologias novas para que o aluno saia preparado para o mercado de trabalho. Precisamos que o Crea veja quem está atuando como profissional, nos estudos de impacto ambiental”, respondeu Elisa Meirelles.

 

Eng. ftal. Pedro Salles
Eng. ftal. Pedro Salles

 

A Pedro Salles, Nielsen questionou como ele enxerga a participação dos profissionais na construção do CAR e como os profissionais podem otimizar as atividades por meio dessa ferramenta. Atribuindo a um grupo de profissionais a construção do CAR, Pedro tratou da institucionalidade, inicialmente, em torno do Serviço Florestal Brasileiro. “Ele tinha uma atuação pequena, em torno de um pedacinho do Código Florestal. Foi para o Ministério da Agricultura e para o MGI. Onde está uma agência, pensando em uma atuação do profissional do Engenheiro Florestal? Temos que mostrar que esse perfil do profissional é estratégico para que o Código Florestal saia do papel”.

Texto e edição: Henrique Nunes (Confea)

Fotos: Sto Rei e Impacto/Confea