Estudos e Análises dos Impactos da Segregação de Resíduos Sólidos de Obras em Belo Horizonte

EQUIPE
Profa. Dra. Edna Alves Oliveira  Universidade FUMEC
ednaao@fumec.br
Wellington Vinicius Gomes da Costa  Mestrando em Construção Civil - Universidade FUMEC  kdninjacost@hotmail.com

RESUMO
Na cidade de Belo Horizonte, entre os anos de 2009 e 2010,  houve uma súbita elevação nos valores cobrados para disposição final de de resíduos de sólidos, em especial os Resíduos de Construção e Demolição (RCD). Esse artigo traz uma análise global das modificações ocorridas no sistema de gestão de resíduos em função da altas nos preços de destinação e apresenta algumas alternativas vantajosas ao aterramento de RCD, que vem se tornando um valioso material para construção.

INTRODUÇÃO

A crescente expansão das cidades, diminuição dos espaços e a conseqüente valorização dos terrenos urbanos nas grandes metrópoles como Belo Horizonte fizeram surgir novos desafios aos setores públicos, privados e em especial na construção civil.

Este artigo apresenta o panorama da problemática da destinação final de resíduos sólidos de construção civil na Capital Mineira após o fechamento do aterro da Central de Tratamento de Resíduos Sólidos da BR 040 (CTRS BR040) que estava em funcionamento desde 1975 e encerrou o recebimento de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) no final de 2009 e a consequências para o sistema de gerenciamento de resíduos sólidos de Belo Horizonte.

 AVALIAÇÕES PRELIMINARES

O encerramento das atividades do aterro municipal CTRS BR 040 e a contratação da CTR Macaúbas de propriedade da Vital Engenharia Ambiental S/A, por R$ 759 milhões em 25 anos de serviço, o que equivale a, aproximadamente, R$ 30.3 milhões por ano, trouxe várias conseqüências na disposição final dos resíduos em Belo Horizonte. Isso porque na CTRS BR 040 eram cobrados R$ 4,40 por tonelada de resíduo aterrado. NA CTR Macaúbas em Sabará, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) passou a pagar R$ 30,93 por tonelada aterrada.

Segundo Melo (2008), em Belo Horizonte, o contrato assinado prevê a responsabilidade do transporte das atuais 3.154 toneladas/ano de resíduos para o município, quantidade que pode crescer. Serão gastos R$ 4,13 de transporte por tonelada de resíduos ou cerca de R$ 390,7 mil mensais para levar o lixo até a Central de Tratamento de Resíduos Macaúbas, em Sabará, na Grande BH.

Outra conseqüência é que a PBH gasta R$41.7 mil a mais por mês com disposições irregulares. De acordo com o sindicato das empresas de caçambas, é impossível recolher, em obras, resíduos sem contaminação. As pessoas preferem jogar o entulho nas ruas a pagar aluguel de caçamba. Para Braga (2010), a SLU passou a ter mais trabalho para recolher a quantidade de material jogada em via pública, que aumentou 15% (eram retiradas mensalmente 9 mil toneladas, que aumentaram para 10.350 toneladas). São 1.350 toneladas de entulho a mais por mês, o equivalente a 270 caçambas lotadas  cada uma carrega até 5 toneladas.

Os gráficos 1 e 2 mostram respectivamente as distribuições das quantidades de resíduos destinados pela SLU por mês e divididos em classes, nos anos de 2009 e 2010.

 


Gráfico 1 - Evolução mensal dos resíduos em 2009 (ton./mês).
Fonte: Adaptado SLU 2009.

 

 


Gráfico 2 - Evolução mensal dos resíduos em 2010 (ton./mês).
Fonte: Adaptado SLU 2010.

Comparando os gráficos 1 e 2, percebe-se que a geração e destinação de Resíduos Sólidos Domiciliares (RDO), permanece estável em 55.000 ton./mês nos anos de 2009 e 2010. Em Belo Horizonte, esse tipo de resíduo é recolhido na porta das casas pelos caminhões da SLU. Já os Resíduos de Construção Civil (RCC), cujas responsabilidades de disposição e custos são assumidos diretamente pela população geradora do resíduo, apresentaram queda na destinação regular de 82.367,50 ton./mês em 2009 para 36.056,50 ton./mês em 2010, queda de 43,77%, de acordo com os dados extraídos da Tabela 2.

Os gráficos 3 e 4 demonstram a oscilação de representatividade nas classes de resíduos recolhidos pela SLU nos anos de 2009 e 2010.

 
Gráfico 3  Representatividade dos resíduos por classe em 2009.
Fonte: Adaptado SLU ( 2009)

 

 
Gráfico 4  Representatividade dos resíduos por classe em 2010.
Fonte: Adaptado SLU ( 2010)

Comparando os gráficos 3 e 4 com os dados da Tabela 1, percebe-se que variação negativa ocorreu, principalmente, na disposição regular de RCD.

ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO EM BELO HORIZONTE
Atualmente, em Belo Horizonte, há hoje três Estações de reciclagem de RCD em operação. De acordo com Catapreta ( 2008), a primeira, Estação Estoril, teve suas atividades iniciadas em 1995, e a segunda, Estação Pampulha, iniciou sua operação em 1996. A terceira, Estação BR 040, foi implantada em 2006. Juntas, essas unidades têm capacidade nominal para processar cerca de 1.000 t/dia de resíduos.

As Usinas Estoril e Pampulha têm capacidade de produzir somente material equivalente à bica corrida , enquanto que a unidade da BR-040 pode produzir 4 tipos de materiais classificados de acordo com sua granulometria como: finos (D < 3/16”), britas 0 (3/16” < D < 3/8”) e 1 (3/8” < D < 3/4") e bica corrida (2” < D) (Maqbrit, 2006). Entretanto, destaca-se que as Usinas Estoril e Pampulha podem também produzir material agregado para confecção de blocos, desde que haja segregação prévia, sendo britados apenas materiais a base de concreto, com posterior peneiramento (CATAPRETA, 2008).

IMPACTOS ECONÔMICOS DA UTILIZAÇÃO DE RCD RECICLADO
Os materiais obtidos pela reciclagem dos RCD têm sido utilizados na pavimentação de vias e na urbanização de vilas em Belo Horizonte, além de serem empregados na fabricação de blocos para alvenaria e produção de argamassa e concretos para construção de sarjetas e pisos (CATAPRETA, 2008).

A produção total de RCD expedido pelas três Estações de Reciclagem em Belo Horizonte em 2010 foi de, aproximadamente, 137.000 toneladas. Grande parte desse material foi aproveitado pela PBH, sendo que a maior demanda é para utilização como base ou sub-base de vias para pedestres ou ruas com pequeno volume de tráfego.

A Tabela 1, mostra o impacto econômico que pode ser gerado pela utilização de diferentes tipos de material na execução da base de pavimentação asfáltica. Vale lembrar que, os valores de referência utilizados são os praticados pela PBH em julho de 2010, para implantação de vias de trânsito local com 7 metros de largura.

Tabela 1  Impacto econômico por quilometro de pavimentação de acordo com tipo de material utilizado como base.

Tipo de material

Preço por m³ (R$)

Diferença de preço por m³ em percentual  por tipo de material

Valor global por km de pavimentação (R$)

 Aumento no valor global da obra gerado pelo tipo de material empregado na base (%)

Reciclado SLU

R$ 10,37

 

R$ 303.954,84

 

Escoria

R$ 24,95

140,60%

R$ 350.994,84

13,40%

Minério

R$ 28,92

178,88%

R$ 373.604,84

18,64%

Bica corrida

R$ 54,90

429,41%

R$ 413.252,84

26,45%



Verifica-se que o metro cúbico de RCD pode gerar economia de mais de 80% em relação a outros materiais, ou seja, aproximadamente, 4 vezes mais barato que outros tipos de materiais, quando utilizado como base para pavimentação. A economia no custo final da obra chega a ser superior a 26%.

A FIG. 1 mostra um corte de pavimentação com base executada com RCD reciclado em Belo Horizonte, revelando que as bases executadas com RCD reciclado apresentaram-se consolidadas. Segundo Pinto (1999), essa amostra demonstra a ocorrência de componentes reativos no RCD que reagiram com a exposição à umidade na execução e umidade natural dos solos locais, diferindo do ocorrido nas bases executadas com agregados naturais, em que há o travamento mecânico entre partículas e desagregação quando ocorre desconfinamento da camada.


 


FIGURA 1 - Corte do pavimento com base executada com RCD reciclado.              
Fonte: Pinto (1999)



A utilização mais comum dos RCD reciclados atualmente é como base para pavimentação ou nivelamento e estabilização de vias de terra pela facilidade de uso, aplicação e por não exigir alta qualidade dos RCD destinados a esse fim.

Por outro lado, os RCD são destinados à fabricação de elementos como blocos e briquetes, exige alto grau de qualidade na segregação e britagem dos resíduos para obtenção de resultados satisfatórios.

AVALIAÇÕES FINAIS SOBRE O SISTEMA DE GESTÃO DE RCD EM BELO HORIZONTE
Conforme Abreu (2001) e outros autores, aproximadamente, 70% dos RCD têm potencial para ser reciclado, incluindo a fração de solo retirada das obras. Esse índice sobe para 90% ao desconsiderar a fração de solos.

Partindo dessa analogia, a FIG. 2 mostra um esquema sobre a situação da destinação final de RCD em Belo Horizonte pela média dos últimos 15 anos.

 

 
FIGURA 2  Média de reciclagem de RCD nos últimos 15 anos.

 O esquema da FIG. 2 reflete com aproximação o cenário atual do desempenho da reciclagem de RCD. Percebe-se claramente a dissonância entre o potencial de resíduos recicláveis (70%) e o efetivamente reciclado (17%). Há que se considerar que foram analisados apenas os RCD recolhidos pela SLU, cerca de 650.000 ton./ano ou 37% do total, pois alguns autores estimam que os RCD produzido em Belo Horizonte represente mais de 50% total da geração de resíduos sólidos. Este percentual é plausível levando em consideração que não fizeram parte dos cálculos a parcela de RCD depositada em aterros particulares ou disposta de forma irregular, (de forma clandestina em terrenos baldios, ruas e córregos da cidade).   

Com a elevação do preço da disposição final dos RCD após o fechamento do aterro municipal CTRS BR 040, houve aumento de 15% nas deposições irregulares na cidade. Essa elevação percentual é compatível com o decréscimo do recolhimento de RCD pela SLU entre 2009 e 2010, como revelou a comparação entre os gráficos 1 e 2.  De acordo com informações da prefeitura, a SLU gasta por ano R$ 11,5 milhões para a retirada do material de aproximadamente 650 locais clandestinos mapeados na cidade.

Considerando somente a fração de resíduos sólidos recolhida pela SLU, a situação hipotética ideal para Belo Horizonte seria semelhante a representação esquemática da FIG. 3, considerando a media dos últimos 15 anos.

 

 
FIGURA 3  Situação ideal quanto aos percentuais de reciclagem de RCD.

Avaliando os gráficos apresentados nas figuras 2 e 3, verificam-se algumas desconformidades em relação ao sistema de gestão dos Resíduos da Construção Civil (RCC), em Belo Horizonte. A capacidade nominal instalada, somando as três estações de reciclagem é de 1000 toneladas por dia que corresponde a 264.000 toneladas por ano. Isso significa que em 2010 o sistema de reciclagem trabalhou ocioso em relação a sua capacidade, pois foram reciclados pouco mais de 136.000 toneladas de RCD, sendo que a estação mais ociosa foi a CTRS BR 040, de acordo com os dados apresentados na Tabela 2.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caso em 2011 se repita esse quantitativo de massa aterrada, considerando o custo de R$30,93 por tonelada aterrada, mais o valor de R$4,13 por tonelada transportada, como o informado pela SLU, a PBH teria um gasto de R$30.977.473,36 com disposição final de RCD. Essa elevada quantia faz refletir sobre a urgência de serem criadas alternativas à Parceria Público-Privada (PPP) realizada entre a PBH a CTR Macaúbas.

A que subutilização das Estações da Reciclagem de RCD e a possível utilização do dinheiro público com formas pouco eficientes de destinação de RCD, como a aterragem a R$30,93 a tonelada, são algumas das inferências que podem ser retiradas deste trabalho sobre desconformidades do sistema de gestão de RCC.

A partir dos RCD, estima-se ser possível fabricar componentes de concreto com uma economia de até 70% em relação a similares com matéria-prima não reciclada e economia de até 26% se utilizado como base de pavimentação.

Os valores praticados para aterragem de resíduos sólidos em Belo Horizonte, após o esgotamento da CTRS BR 040, transformaram a reciclagem de RCD não apenas em uma necessidade ambiental, mas em um negócio extremamente lucrável e mal explorado.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

ABREU, M. F.; CHERNICHARO, P. D.; INÁCIO, R. A. C.; FIÚZA, S. M.; MOTA, M. L. A.; SILVA, M. E. C.; CHENNA, S. I. M.; LAGE, W. M. Plano para minimização dos resíduos sólidos urbanos de Belo Horizonte  Período 2000  2004. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 21, João Pessoa/PB. Anais, ABES:Rio de Janeiro, ABES, 2001.

BRAGA, E. Para poupar, população deve enviar entulho para unidades da prefeitura. Estado de Minas, Belo Horizonte, Set. 2010. Disponível em < http://www. em.com.br/app/noticia/gerais/2010/09/24/interna_gerais,181666/para-poupar-populacao-deve-enviar-entulho-para-unidades-da-pbh.shtml>. Acesso em 03 janeiro 2011.

CATAPRETA, C. A. A., PEREIRA J. C., ALMEIDA A. H. Avaliação do desempenho das Usinas de Reciclagem de Resíduos de Construção Civil de Belo Horizonte, Brasil, In: XXXI Congreso Interamericano de Ingeniería Sanitaria y Ambiental, AIDIS: Chile,  Santiago, 2008.
MAQBRIT. Manual de operação e manutenção  Unidade de Reciclagem de Entulhos de Construção civil. São Paulo, 2006.

MELO, B. Aterramento mais caro. Estado de Minas, Belo Horizonte, Set. 2008. Disponível em: < http://www.azevedosette.com.br/ppp/noticias/2008-09-09_02.html>. Acesso em: 15 janeiro de 2011.

PINTO, T. P. Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos da construção urbana. 1999. Tese (Doutorado)  Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

SUPERINTEDENCIA DE LIMPEZA URBANA DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE  SLU/PMBH. Relatório Anual de Atividades da Limpeza Urbana 2008, 2009 e 2010.