Brasília, 3 de março de 2011
Em palestra durante o 6º Encontro de Lideranças do Sistema Confea/Crea, o ministro-chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, disse que o grande problema do Brasil são os projetos. Segundo ele, se os projetos são bem detalhados desde o início, grande parte do problema é resolvida. Você concorda?
Eu acho que é parte do problema, mas não todo o problema. Acredito que o gerenciamento dos projetos deve ser feito durante todo o processo, do início ao fim. Então, sim, ele está correto em dizer que o projeto deve ser corretamente desenvolvido no início, que deve ser corretamente especificado desde o início. Está correto e é muito importante. Além disso, a licitação para as construtoras deve ser competitiva e segura.
Mesmo assim, depois que já se tem a construtora selecionada, o gerenciamento do projeto durante toda sua execução deve ser muito bom. Se no começo é perfeito e no fim é um desastre, há um problema. Então o que dizemos é – eu concordo totalmente com o que Hage diz – mas complementando, o gerenciamento deve ser feito todos os dias, durante todo o processo, do início ao final do projeto.
Vocês têm dados sobre se um projeto é elaborado corretamente no início, há 50% ou 40% de chances de não haver corrupção?
Não há como dizer isso, pois cada projeto é diferente, então não sabemos a resposta. Se soubéssemos, já teríamos acabado com a corrupção. A corrupção é secreta. Então não temos ideia de quanto exatamente de dinheiro está envolvido. Então, em alguns projetos temos perdas de talvez 5%. Outros talvez 100%. Tudo o que sabemos é que definitivamente se você tem um projeto que é mal elaborado, mal gerenciado ou mal executado, você perde dinheiro. Seja a razão mal gerenciamento, equívoco ou corrupção é bem difícil de dizer, porque às vezes alguém se equivoca em um projeto e as pessoas dizem que é corrupção, mas não é, é apenas um equívoco. Outras vezes, as pessoas dizem que é equívoco, mas é na realidade corrupção. Então o que podemos dizer com certeza é que se você elaborar ou gerenciar um projeto bem, seu gasto vai ser menor e a qualidade maior. É o que eu acredito.
Você mencionou uma prática de tolerância zero. Você tem exemplos de países que já aplicam essa prática em 100% dos casos?
Nenhum país é perfeito. Alguns países são melhores que outros, mas nenhum é perfeito. Todo país tem problemas. E a prática de tolerância zero está começando a ser introduzida nas construtoras dos Estados Unidos e de alguns países da Europa.
Até em países pequenos porém ricos, como Suécia e Finlândia?
Eles têm um pouco [de corrupção], mas menos. Se um país tem um sistema de licitação para projetos bem aberto e justo, bastante competitivo, a corrupção inicial é bastante reduzida. Mas ainda encontramos problemas durante a construção dos projetos, quando há um empreiteiro, se há mudanças no projeto, atrasos, esses fatores podem causar problemas de corrupção. Até os melhores países do mundo têm alguns problemas, mas menores.
A GIACC tem estudos especificamente sobre o Brasil?
Não. Aliás, nossa organização não faz estudos em países algum, porque não queremos dizer “esse país é ruim, aquele país é bom”. O que queremos é dizer “todos os países do mundo deveriam introduzir esse sistema de gerenciamento que reduz corrupção”. Não gostamos de dizer “você mau, você é bom”, não é muito produtivo fazer isso. Por isso não temos estudos específicos para países.
Mas vocês já realizaram ações para a Copa do Mundo ou as Olimpíadas?
Nós trabalhamos nas Olimpíadas da China, em Pequim. Nós fizemos recomendações ao governo chinês e treinamos os fiscais. Eles contrataram talvez cem pessoas para serem fiscais da corrupção em Pequim. Nós treinamos essa equipe e fizemos recomendações para o sistema deles. Reuni-me com os construtores e eles me explicaram como funcionava o sistema deles. Sim, nós trabalhamos nas Olimpíadas de Pequim. Nas Olimpíadas de Londres nós mandamos nosso sistema para as autoridades das Olimpíadas, mas não trabalhamos efetivamente.
Você tem alguma perspectiva de fazer algum trabalho como esse feito em Pequim no Brasil, seja para a Copa do Mundo ou para as Olimpíadas?
Acho que o princípio é o mesmo que em vários outros projetos grandes. Como o ministro disse ontem, eu concordo plenamente com a abordagem dele em transparência. Acho a ideia de publicar no site todas as informações dos custos do governo fantástica, excelente! Talvez vocês sejam o primeiro país no mundo a fazer isso, o que é muito bom.
A publicar essa quantidade de informação... Não chequei exatamente o quanto vocês publicam, eu olhei o site [http://www.transparencia.gov.br/] muito brevemente, mas como não falo Português, então não posso dizer exatamente. Mas viemos dizendo por muitos anos sobre publicação de informação em websites.
Minha opinião é: elabore o projeto muito bem, com antecedência. Faça todos os projetos/desenhos realmente desde o início, antes da licitação, e então serão minimizadas as mudanças, porque mudanças quase sempre resultam em corrupção.
Em segundo lugar, tenha certeza de que se abram os lances de forma abrangente para todas as empresas qualificadas. Não se devem ter empresas “amigáveis”, deve ser feito de forma muito aberta.
Em terceiro lugar, a comissão de licitação deve ser muito poderosa e independente e os resultados devem ser publicados na internet. Aí ninguém vai poder dizer “eles escolheram aquela empresa por causa de corrupção”, porque então responde-se “não, foi uma licitação competitiva, temos um painel de seleção independente, os resultados estão no website”. Isso seria muito bom.
Então eu acredito que a política do governo brasileiro para as Olimpíadas e a Copa do Mundo deveria ser tolerância zero, que seria dizer “nós vamos te tratar de forma muito justa. Nós vamos pagar as construtoras de forma justa, vamos acompanhá-los de forma justa, e teremos uma competição justa. Mas se tivermos qualquer problema seremos tolerância zero. Teremos boa fiscalização e teremos boa instauração de processo. Qualquer um que transgredir a lei será acionado/processado”.
Isso resolveria grande parte do problema?
Acredito que sim. Mas se devem ter os dois lados: vantagens e desvantagens. Deve-se dizer às empresas: “trataremos as empresas bem, seremos justos, abriremos competição e seremos justos com vocês, mas se não seguirem as regras, seremos bem rigorosos”.
Você comentou sobre elaborar um projeto especificamente para os jogos olímpicos. Nós temos cinco anos. Você acredita que ainda temos tempo para isso?
Eu acho que vocês têm tempo. Nas Olimpíadas de Londres e nas de Pequim eles fecharam um ano antes. Os projetos das Olimpíadas de Londres estão quase finalizados. É um ano antes e isso dá bastante tempo para colocar em ordem todos os problemas. Se você deixar para muito tarde: desastre. Porque aí todos se chocam entre si e quando você vai encaixar todos os projetos, a empresa de elétrica choca com a de telhado/cobertura, que se choca com a de pintura, e então haverá muitos problemas.
Então minha mensagem é: comece rápido e coloque muito foco na elaboração do projeto e no planejamento. Acerte no projeto e no plano e se planeje para terminar cedo, então você terá bastante tempo. Acredito que vocês podem. Mas se o projeto estiver errado, e no meio do caminho o governo alterar o projeto, então os custos irão subir. É corrupção? Talvez. É equívoco? Quem sabe...
E para a Copa do Mundo, você acha que ainda temos tempo de fazê-la corretamente? Temos apenas três anos...
Está ficando apertado. Mas eu não sei o quão preparados vocês estão, vocês já têm alguns estádios, não tenho certeza como é o trabalho de vocês... Não conheço a situação, mas acho que meu conselho seria o mesmo novamente: comece cedo, faça o planejamento corretamente e abra uma competição justa, tenha gerenciamento sólido e forte, essa é a chave: bom gerenciamento em vista.
As Olimpíadas de Londres têm gerenciamento muito forte, e na China também, gerenciamentos rigorosos. Então eles terminaram a tempo. Todos os países que tiveram gerenciamento fraco tiveram problemas.
Você acha que funcionou na China e em Londres? Não houve corrupção alguma?
Acho que foi muito pouco, nos dois projetos. Nós dizemos tolerância zero em corrupção, mas seres-humanos, sabe, muitas pessoas estão sempre querendo ganhar o jogo. O que tentamos fazer é manter isso em pouca quantidade. Se alguém rouba um saco de cimento, você não vai barrar isso, mas quer-se acabar com a corrupção maior. Acho que os dois projetos foram bem baixos em corrupção, porque eles tiveram um forte gerenciamento, regras muito claras, a polícia estava envolvida. Em Londres a polícia estava envolvida, em Pequim a polícia estava envolvida no monitoramento. E as regras foram bem precisas e rigorosas.
Então a polícia estando envolvida também é, não uma resposta, mas algo a ser feito?
É parte da solução e acredito que a polícia não deve participar apenas gritando para as pessoas, mas também no início, aconselhando e dizendo: “olhas, estamos aqui para ajudá-los. Se você vir algum problema ou tiver algum problema, nos avise”. E eles podem estar lá para ajudar com as sanções. E se algo der errado a polícia irá agir. Em Pequim eles se envolveram bastante. Também no projeto do aeroporto de Hong Kong, que foi um grande projeto, a comissão anticorrupção esteve envolvida desde o início, então eles monitoraram a licitação, eles monitoraram a execução do projeto e foi um projeto com baixo índice de corrupção também. Então acho que o envolvimento da polícia é muito importante, não como parte do gerenciamento, mas como parte do processo de sanções.
E o que fazer quanto aos cartéis durante a licitação?
Cartel é mais difícil acontecer se há mais empresas. Se há apenas quatro empresas, eles se encontram para um “drink” e o cartel é muito mais fácil. Se abrir-se para uma competição mais abrangente, primeiramente não deve ser permitido que qualquer um construa, as empresas devem ter as qualificações adequadas – técnicas, financeiras e de qualidade. Antes pré-qualificam-se as empresas e então haverá uma base de lances bem abrangente. Então, será bem difícil haver um cartel. Haver oito ou nove empresas participantes em um cartel é possível, mas é improvável.
Outro conselho em cartel, não sei como está o Brasil, mas a Europa e os Estados Unidos têm bastante sucesso com um sistema de imunidade. Eles dizem: “se você tiver um cartel nós o acharemos, colocaremos você na cadeia, com certeza você irá para a cadeia, e sua empresa terá uma multa muito grande, e sua empresa não terá permissão para construir para o setor público por talvez três anos”, penas bem pesadas. Tolerância zero. Mas se você estiver em um cartel e denunciar, sua denúncia te concederá imunidade total. Isso é muito efetivo, pois se você tem um cartel de cinco empresas, uma pessoa como eu, fico nervoso, penso “não quero ser preso, tenho filhos”, telefono para as autoridades e digo: “há um cartel”. Estou salvo. Minha empresa está salva. Mas as outras empresas serão presas. Essa lei na Inglaterra e na Europa tem sido muito poderosa. Não tenho certeza se o Brasil tem um sistema dessa sorte, mas poderia ser implantado um rapidamente se vocês não tiverem. É muito poderoso, porque as pessoas têm medo de fazer cartel, têm medo de outras pessoas do cartel denunciar. E, claro, pessoas em cartéis têm provas, anotações, cartas, preços, e a negociação com a polícia é, se você denuncia um cartel, se você quer imunidade, você precisa entregar todos os papéis, e você tem que mostrar a prova no tribunal, na frente dos seus colegas. É esse o acordo.
Minha mensagem seria: bom planejamento, bom projeto, boa competição. Trate as pessoas de forma justa, mas, por outro lado, se algo der errado, seja rigoroso, tolerância zero, e o governo pode divulgar essa mensagem na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, dizer “tolerância zero”. “Nós teremos uma Copa do Mundo limpa, Olimpíadas limpas. Faremos direito”. Brasil será o país mais famoso do mundo e as pessoas irão admirar o Brasil a dizer: “uau, aquilo foi bom”. Essa deveria ser meta, acredito. Acho que vocês podem fazer isso. Tenho certeza que podem.
Beatriz Leal
Assessoria de Comunicação do Confea