VI FSM: água e saneamento em pauta na terceira oficina do Confea

Caracas, 28 de janeiro de 2006

Acesso à água potável e saneamento básico estão diretamente relacionados à cidadania. Essa afirmativa foi consenso nos conteúdos de todas as palestras da oficina “Saneamento e Resíduos Sólidos: A Cidade Saudável”, realizada pelo Confea, na tarde do dia 27, na Universidade Central de Caracas, dentro do VI Fórum Social Mundial (FSM).

A primeira palestrante foi a engª Anna Virgínia Machado, representante da Associação Brasileira de Engenharia, Sanitária e Ambiental (Abes) no Colégio de Entidades Nacionais (CDEN), órgão consultivo do Confea. Ela apresentou o Conselho Federal, o Colégio e a Associação. Destacou a organização da entidade e suas articulações internacionais e nacionais como a participação nos Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos, das Cidades e do Meio Ambiente.

Anna Virgínia falou do decreto de 22 de março de 2005, que instituiu a década brasileira da água  2005/2015  obedecendo ao mesmo princípio da década internacional que considera água fonte de vida.

A década brasileira tem o objetivo de “promover e intensificar a formulação e a implementação de políticas, programas e projetos relativos ao gerenciamento e uso sustentável da água, em todos os níveis, assim como assegurar a cooperação das comunidades voltadas ao alcance dos objetivos contemplados na política nacional de recursos hídricos ou estabelecidos em convenções, acordos e resoluções, a que o Brasil tenha aderido”.

Anna Virgínia informou que dados da Organização Panamericana da Saúde revelam que uma, a cada quatro pessoas da América Latina e do Caribe, não tem acesso seguro à água para consumo. E nas zonas mais desfavorecidas, mais pobres, esta relação vai para uma a cada duas pessoas. “Quadro vergonhoso” avaliou, ressaltando que por isso são tão necessárias e importantes as campanhas de informação à população e sensibilização dos governos.

A engenheira falou ainda sobre as metas do milênio, se concentrando na que se refere à garantia a sustentabilidade ambiental, que tem entre um de seus objetivos a redução pela metade, até 2015, da porcentagem de pessoas no mundo que não têm acesso á água potável e ao saneamento básico. O atendimento a essas metas é monitorado pela Organização Mundial da Saúde e pela Unicef.

Anna Virgínia exibiu gráficos mostrando com clareza que países com boas condições de acesso ao saneamento têm menores índices de mortalidade infantil. E destacou que os países podem ter resultados 12 vezes melhores, dos que apresentam hoje, em vários aspectos, se buscarem atender as metas do milênio.

“Na questão de saneamento, o Brasil tem situação pouco melhor que a Ásia e a África, mas igual a quase toda a América Latina e bem aquém de alguns países europeus e dos Estados Unidos. O país tem sérios problemas de contaminação dos rios por esgotos” informou a palestrante.

Anna Virgínia lembrou que o Brasil tem megas cidades como São Paulo e Belo Horizonte com concentração da maior parte da população e 80% das cidades têm pouca população, o que forma um quadro controverso com relação ao serviço de saneamento básico. Ela enfatizou que o acesso à água, em boas condições de uso, e ao saneamento básico, garantem cidadania. Apontou como avanços no Brasil, a criação dos Conselhos Nacionais de Recursos Hídricos e das Cidades, que permitem a participação da sociedade civil organizada.

Modernização do Estado - E por falar em avanços, o segundo palestrante eng. civil e professor Rafael Dautant, presidente da Associação Venezuelana de Engenharia Sanitária, falou do que ele considera modernização do Estado em matéria de água e saneamento ambiental. “O manejo da água e saneamento tem que ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente sustentável”, disse.

Entre os aspectos a serem considerados para a modernização do Estado, Dautant ressaltou a consciência ambiental, a tecnologia, o custo benefício, o aspecto legal e a ética profissional. “Temos que garantir a disponibilidade do recurso água se quisermos ser evolucionários”, disse, reconhecendo que vontade política e compromisso dos governantes são fatores indispensáveis para isso.

Num passo a passo de ações, Dautant listou: O Estado precisa ter uma estrutura institucional operante; definir as instâncias de operação, regulação, controle e fiscalização; estabelecer um marco legal e garantir sua sustentabilidade; e mostrar seriedade e credibilidade. Ele deixou claro que na sua avaliação a operacionalização de serviço de saneamento pode ser feita pelo setor privado, porém com fiscalização enérgica e atuante do governo.

Dautant defendeu ainda o reúso da água, possível segundo ele, a partir de um tratamento adequado. “Isso é necessário porque já temos escassez desse recurso, resolveria problemas de necessidades emergenciais de água e ainda poderia minimizar o custo do serviço”, justificou, endossando as posições da engª. Anna Virgínia de que saneamento ambiental traz a cidadania como conseqüência.

Resíduos sólidos  “No Brasil é comum coletar as águas residuais e não tratar. O que causa passivo ambiental”, alertou o terceiro palestrante, eng. civil Ubiratan Félix, presidente do Sindicato dos Engenheiros da Bahia.

Félix informou que 60% do lixo coletado no Brasil é oriundo do setor privado e de grandes multinacionais. Ele ressaltou as diferenças regionais e sociais do Brasil: “90% tem menos de 20 mil habitantes e nove cidades absorvem mais da metade da população brasileira, o que causa desigualdades também no trato dos resíduos sólidos”, alertou.

Segundo Félix no Brasil a reciclagem de resíduos sólidos é um problema porque não tem mercado para o lixo reciclado. O país apresenta índices altos de reciclagem de alumínio - 60% - e alguma coisa significativa em alguns tipos de papel, mas segundo ele, no geral essa reciclagem não consegue se viabilizar do ponto de vista econômico. Porém, ele ressaltou que é importante continuar fazendo para mostrar que é possível e que o material pode servir para outras utilidades.

Félix disse que os municípios brasileiros até conseguem coletar o lixo, mas não conseguem dar destino final, o jogam nos mananciais de água e em outros locais inadequados. Poucos municípios têm aterro sanitário. “Eles não têm recursos para investir e criam um lixão que causa grande passivo ambiental. É como varrer a casa e jogar o lixo embaixo do tapete”, comparou, considerando essa atitude uma grande ameaça para o meio ambiente.

De ameaças às oportunidades, Félix destacou entre as últimas: a soma das ações dos governos municipais, estaduais e federal, numa integração de políticas de saneamento e meio ambiente. Ele lembrou que o Ministério das Cidades já está cuidando disso, e que para o atual governo brasileiro investir em saneamento é uma ação de saúde pública.

Política de Saneamento - Para aprofundar mais um pouco as ações do governo em termos de saneamento, o eng. civil Clóvis Nascimento, último palestrante da oficina, falou da Política Nacional de Saneamento Ambiental.

Nascimento disse que o Projeto de Lei 5.296 foi elaborado pelo governo com o objetivo de criar diretrizes para o serviço público de saneamento básico, dentro do entendimento, já colocado por Ubiratan Félix, de que os serviços públicos de saneamento ambiental possuem caráter essencial para a população.

Nascimento explicou como se deu o processo democrático da Conferência das Cidades que culminou com a criação do Conselho Nacional das Cidades, que segundo ele visa manter a realização de ações que vão ao encontro das necessidades, efetivas, da população.

Entre os princípios que norteiam a política nacional de saneamento ambiental ele destacou: todos têm direito à vida e ambiente salubre; é obrigação do poder público promover a salubridade; é garantido a todos o direito à salubridade.

“A política nacional de saneamento ambiental respeita a Constituição Federal, resgata o pacto federativo garantindo a competência dos municípios, elege o planejamento como ferramenta fundamental para o desenvolvimento da própria política; e resgata os direitos dos cidadãos”, garantiu Nascimento.

Ele fechou sua exposição dizendo que a questão do saneamento no mundo inteiro tem apresentado uma mesma característica: quem não tem acesso a ele é a população mais pobre. “Mas nós entendemos que água é fonte de vida e que saneamento é direito de todo cidadão e dever do Estado”, ressaltou.

Bety Rita Ramos
Da equipe da ACOM