VI FSM: Oficina de segurança alimentar traz à tona polêmica dos transgênicos

Caracas, 26 de janeiro de 2006

Dentro do eixo temático 4, que trata das diversidades, identidades e cosmovisões em movimento, o Confea realizou ontem, 25/01, na sala 5 do Parque Central, na cidade de Caracas, Venezuela, a oficina Segurança Alimentar. A primeira, de três que o Conselho irá realizar até o dia 27 de janeiro, no VI Fórum Social Mundial (FSM), Capítulo Américas.

Foram apresentadas experiências que podem contribuir direta e indiretamente para a segurança alimentar, como o projeto de barragem subterrânea, apresentado pelo eng. agrônomo José Geraldo Barachuy, presidente da Associação Brasileira de Ensino Agrícola Superior (ABEAS). O projeto revela forma já testada de viabilizar uma pequena produção agrícola, por meio do armazenamento de água contida com uma espécie de barramento feito com pneus velhos.

“Os pneus velhos considerados um problema para o meio ambiente e focos de doenças, se jogados fora, devido ao acúmulo de água de chuva que promovem, podem se transformar num mecanismo que contribui para incrementar a agricultura familiar”, defendeu Barachuy.

O projeto, que já foi aplicado num assentamento rural no estado da Paraíba há cerca de seis anos, pode ser desenvolvido em regiões de umidade limitada no solo, pois os pneus ajudam também a conter a erosão. Tem um custo aproximado de US$ 250,00. E é uma solução simples para regiões do mundo, como por exemplo, o nordeste brasileiro, onde é grande a carência de água em grande parte do ano.

Outra experiência, que soma para a conquista de um quadro brasileiro de segurança alimentar, foi apresentada pela engª agrônoma Ligia Maria Martucci. Ela falou sobre a experiência do Crea-SP na fiscalização dos produtos fitossanitários. 

De acordo com a engenheira, a fiscalização desses produtos é feita no comércio, nos prestadores de serviços e na indústria. Ela citou também a adoção do receituário agronômico, que é observada tanto pelo Crea como pela Secretaria de Agricultura de cada estado brasileiro.

Martucci citou ainda, como parte das ações desenvolvidas pelo conselho paulista, a realização de palestras, cursos e treinamentos voltados para diminuir a  possibilidade de contaminação do solo e de alimentos por uso inadequado de agrotóxicos.

Ressaltou que a exigência de um responsável técnico nas empresas ou em qualquer empreendimento agronômico, adotada no Brasil por meio do Sistema Confea/Crea, é um mecanismo de proteção ao cidadão. Martucci destacou a importância da agronomia pública, que visa levar assistência técnica ao pequeno produtor rural, e dos cursos de legislação profissional, realizados pelo Crea-SP em 2005, que já atingiram um público de 1.500 profissionais.

Questão de cidadania  “Não existe no Brasil e no mundo uma só pessoa que tenha morrido de fome por falta de alimento”, disse a engª agrônoma Maria Higina, conselheira federal do Confea e terceira palestrante da oficina.

Higina iniciou sua palestra levantando questionamentos que dizem respeito diretamente as políticas públicas adotadas hoje para a produção de alimentos. “Como podemos ter segurança alimentar com este modelo suicida? questionou, referindo-se a abertura que o governo brasileiro concedeu para produção dos produtos transgênicos, a inexistência de informação nos rótulos dos alimentos, a produção que favorece a quantidade em detrimento da qualidade.

Na avaliação de Maria Higina, falar de segurança alimentar é complexo porque é uma questão de domínio e de cidadania. “Estamos hoje falando da contradição da segurança alimentar. Podemos até ter segurança de quantidade de alimentos, mas não temos segurança de qualidade alimentar. Que segurança é essa que estamos discutindo, se não temos soberania alimentar?”, questionou.

Ela levantou ainda o debate sobre qual seria o papel dos engenheiros agrônomos e do conselho profissional nessa questão. Para Higina, a cidadania está diretamente ligada ao direito das pessoas de saberem o que estão consumindo, de poderem optar, por exemplo, se querem comer alimentos geneticamente modificados ou não.

A engenheira deixou claro sua preocupação com relação à perda da diversidade de alimentos e ao domínio da semente, proporcionado pela adoção das produções transgênicas. “No começo do século tínhamos mais de 200 alimentos na dieta alimentar de grãos, hoje não chega a duas dezenas. As variedades começaram a ser simplificadas desde o melhoramento da semente. Isso chama-se domínio do alimento. Quem tem o domínio do alimento tem o domínio dos povos. E as multinacionais estão dominando a alimentação mundial”, disse.

O último palestrante a se manifestar foi o eng. civil Edino Honorato de Britto, presidente do Conselho de Segurança Alimentar do Estado de Roraima. Ele endossou o discurso da engenheira Maria Higina e disse que a segurança alimentar é um direito universal: ”Está diretamente ligada à vida e dessa forma às políticas públicas”.

Honorato de Britto falou da necessidade de pressão popular para mudar o quadro descrito pela engenheira. Ressaltou como pontos fundamentais para essa mudança a formação profissional centrada no ser humano e o respeito à valorização e as questões étnicas do país.

A oficina contou com público diversificado e interessado. Várias questões foram levantadas no debate, entre elas a preocupação com a rotulagem dos produtos transgênicos, que hoje é feita baseada em percentual de transgenia, prática considerada inadequada, levando-se em conta que animais, como o frango, por exemplo, também se alimentam de produtos transgênicos, o que não é informado ao consumidor.

Próxima oficina - A princípio, o Confea realizaria quatro oficinas, porém, por uma questão de agenda dos palestrantes, as oficinas sobre acessibilidade e transporte público foram transformadas numa só, que ocorrerá hoje, (26/01) das 15h30 às 18h30, na Universidade Central de Caracas.

Bety Rita Ramos
Da equipe da ACOM