Soft skills + expertise técnica: chave para evoluir no mercado

Brasília, 26 de fevereiro de 2024.

Flexibilidade, pensamento crítico, espírito colaborativo e capacidade para resolução de conflitos são habilidades comportamentais – ou soft skills – buscadas cada vez mais pelo mercado do trabalho. Diante deste cenário, como reinventar o ensino nas universidades de engenharia, agronomia e geociências e preparar profissionais para impulsionar a inovação e a competitividade no Brasil? Essa foi a questão central do diálogo promovido pelo Confea com especialistas em educação e representantes do Crea-Jr Nacional. A interação foi durante o 13º Encontro de Líderes do Sistema Confea/Crea e Mútua, em Brasília (DF), no dia 21 de fevereiro. 

Especialistas e universitários dialogam sobre modernização de cursos, durante o 13º Encontro de Líderes do Sistema


Para falar das renovações necessárias na preparação de jovens estudantes, participaram do painel Mauro Wainstock, LinkedIn Top Voice, organizador do maior hackathon do mundo promovido pela Nasa e mentor sobre networking e marca profissional; além de Caroline Borges, diretora-executiva da Revê Gestão de Pessoas e sócia-diretora da Stag Central de Estágios e Desenvolvimento, empresa conhecida por encaminhar jovens engajados e que anseiam concretizar os primeiros passos de suas carreiras. O engenheiro ambiental, sócio-fundador da Ambiental Pro e treinador de mais 60 mil profissionais Henrique Gonzalez foi o terceiro nome do painel, que contou ainda com a presença do presidente do Confea e fundador do Crea Jovem em São Paulo, o engenheiro de telecomunicações Vinicius Marchese. 

“Os cursos não são atrativos para esta geração que em seis meses de curso já quer enxergar a aplicação da teoria. Este é um debate mais amplo sobre como frentes de atuação precisam ser iniciadas e executadas de maneira conjunta entre todos os entes responsáveis”, pontuou o dirigente do Conselho Federal, ao propor cooperação entre instituições de ensino, setor público e privado e o sistema profissional a fim de modernizar o ensino na graduação.  

Bianca, Mauro, Vinicius, Caroline e Henrique


Sobre essa questão, o coordenador titular do Crea-Jr Nacional, Varner Reis (Crea-PI), salientou que o diálogo gerou insights sobre como atuar em conjunto com o Confea para promover mudanças que serão significativas para o futuro do Sistema. “Vamos apresentar ao Conselho um relatório apontando como podemos contribuir para que a academia seja mais atrativa para o estudante”, assegurou o estudante de engenharia cartográfica e de agrimensura na Universidade Federal do Piauí, que divide os trabalhos da coordenação com o adjunto Matheus Bueno (Crea-RS), para quem o painel foi uma oportunidade inovadora para conhecer as perspectivas de especialistas que sabem como o mercado de trabalho tem se transformado. “Já recebi vários feedbacks bons inclusive de quem participou de outros encontros de líderes. Eles sentiram uma baita diferença e uma esperança maior no nosso programa. Fora isso, neste ano o Confea está olhando para nós de uma forma diferente e agora vamos seguir como foguete: vamos sem ré”, garantiu o discente de engenharia agrícola da Universidade de Pelotas. 

Coordenador do Crea-Jr Nacional: adjunto Matheus (esq.) e titular Varner  

 

O diálogo sobre como preparar universitários para as tendências profissionais teve mediação de Bianca Santos, coordenadora estadual titular do Crea-Jr e estudante de engenharia cartográfica e de agrimensura na Universidade Federal do Piauí. Confira o que disse cada especialista:

Bianca Santos: Quais parcerias estratégicas podem ser específicas entre instituições de ensino, empresas e órgãos governamentais para promover a modernização desses cursos?

Vinicius Marchese: O objetivo é orientar quem está em estágio de formação profissional ou em recém-formação profissional dentro de um ambiente que mudou demais ou que está mudando a todo momento. Estamos pensando nas ferramentas que temos para potencializar isso quando a gente fala de modernização de cursos. Temos DCNs [Diretrizes Curriculares Nacionais] novas e um Ensino Médio que evoluiu, que não está no modelo ideal, mas com ele a gente já começa a enxergar mais ou menos caminhos e vocações. Mas a grande verdade que temos, do ponto de vista do Sistema, é que os cursos não são atrativos para esta geração que em seis meses de curso já quer enxergar a aplicação da teoria. Também precisa de uma esperança do ponto de vista da valorização e da remuneração da mão de obra técnica. Hoje temos um país que não reconhece a mão de obra técnica, onde as regras de negócio e competitividade não são claras. O poder público e a iniciativa privada olham e valorizam muito mais os profissionais da área do direito do que aqueles que realmente podem tracionar o país do ponto de vista da economia. Não é apenas a modernização de cursos, mas é um debate mais amplo sobre como frentes de atuação precisam ser iniciadas e executadas de maneira conjunta entre todos os entes responsáveis.

Henrique Gonzalez: Esse ponto que o presidente Vinicius destacou é fundamental, mas gostaria de destacar também que às vezes a academia está muito desconectada da população e da indústria. Temos trabalhos incríveis sendo produzidos na academia que às vezes não chegam para a população, políticos e tomadores de decisão. Então, a gente precisa ter uma relação melhor entre academia, população, governo e indústria.

Caroline Borges: Já selecionei muitos estudantes de engenharia em todo o Brasil. E, de fato, existem gaps entre o que o mercado precisa e como o estudante sai preparado. Muitas empresas se veem hoje em um cenário em que precisam criar programas internos com ferramentais ligados à inovação para preparar esses juniores que estão entrando no mercado. Há, por exemplo, muita estrada para ser percorrida em termos de formação comportamental, ou seja, soft skills. Com formação técnica especializada, mas sem habilidades comportamentais, o profissional não consegue evoluir. Essa é uma visão importante que precisa ser levada para a academia.

Mauro Wainstock: Acrescento às respostas de vocês que foram relevantes e assertivas, sugerindo que o ensino seja prático, que tenha aplicação prática. Outro ponto: hoje o mercado demanda soft skills como adaptabilidade, comunicação, espírito colaborativo, capacidade para solucionar problemas complexos. Comportamento é tão importante quanto a capacidade técnica e atualização tecnológica para o profissional do presente.  

Mauro Wainstock

 

Quer assistir à live na íntegra? Curta o canal do Crea-Jr Nacional no Instagram.

 

Bianca Santos: Como incentivar a participação ativa de estudantes em eventos, hackathon e competições que estimulem a criatividade e a resolução de problemas na área tecnológica?

Mauro Wainstock: O hackathon é uma experiência fantástica para troca de experiência e integração geracional. Quanto mais vocês conseguirem se abrir para o novo – e aqui eu não falo de idade, mas de perspectiva de vida – mais vocês vão aprender com histórias de vida dos outros, que são diferentes das nossas. Saiam da zona de conforto e olhem o que está acontecendo no mundo. Façam networking genuíno, coloquem nome e sobrenome nos crachás, interajam nas redes sociais, tenham um perfil adequado no LinkedIn, fortaleçam e valorizem o sobrenome profissional sempre e não apenas quando estiverem desempregados. Olho no olho é importante, mas, paralelamente, aproveite todas as oportunidades do mundo virtual.

Caroline Borges: A pandemia nos afastou bastante do presencial, que tem um potencial. Por exemplo, uma revista especializada Intelligente.com, dos Estados Unidos, publicou notícia revelando que 20% dos entrevistados da geração Z levavam os pais para entrevista de emprego. Outros temas também foram trazidos e são questões importantíssimas para colocarmos em discussão. Uma delas é 53% desses gestores apontaram como problema o fato de o jovem não conseguir olhar no olho durante a entrevista, não mantendo contato visual. Então, os eventos presenciais são importantes para você estar conectado com o outro e trabalhar as soft skills.  

Henrique Gonzalez: Uma outra pesquisa de 2019 aponta que mais de 90% das demissões são causadas por questões comportamentais. E não vemos nada disso na universidade. A minha graduação na Austrália foi uma virada de chave por conta da questão prática, porque quando eu estudava na Federal do Rio de Janeiro eu sentia muito a desconexão entre teoria e prática. Lá na Austrália você tem aulas com professores em auditórios grandes, as chamadas lectures; e depois você pega o que aprendeu na lecture para resolver um problema real. Em 2015 houve um terremoto que devastou o Nepal e o nosso trabalho foi justamente mapear os danos causados pelo terremoto. Para mim, essa foi a virada de chave porque eu estava aprendendo o que eu tinha visto na teoria.  

Vinicius Marchese: No Crea-SP, eu ia até às universidades para conversar com os estudantes porque eu venho tentando entender essa geração para construir um ambiente com projetos assertivos e atrair esse público para dentro do Sistema.  

Caroline Borges

 

Bianca Santos: De que forma a proximidade e interação entre instituições de ensino, empresas e profissionais da área pode ser facilitada para garantir que a modernização dos cursos esteja alinhada com as expectativas do mercado?

Vinicius Marchese: Há uma tendência de as empresas estarem criando suas universidades corporativas para realmente capacitar seus profissionais porque hoje as instituições de ensino não formam profissionais de acordo com as necessidades de mercado. Essa é uma realidade. E para essas empresas não precisarem criar suas academias, elas precisam estar próximas das instituições de ensino durante a formação, dando a realidade e a aplicação. Essa solução pode dar para as empresas profissionais mais bem preparados e qualificados. E há formas de fazer isso. O hackathon é uma delas. Hoje, por exemplo, tive retorno do presidente da Hyundai sobre o Desafio Hyundai/Crea-SP para resolver problemas corporativos. Hoje eles estão treinando quatro profissionais selecionados na maratona. Ou seja, a aproximação entre Sistema, mundo corporativo e academia. Isso ajuda ainda a diminuir a ansiedade que vocês têm de sair do segundo dia de faculdade, construindo prédio e indo a campo, esquecendo que teoria é importante também.

Caroline Borges: Essa ansiedade é muito comum no jovem. O estágio é uma grande forma de conseguir bagagem, construir histórias e começar a colocar em execução, porque a gente só consegue executando e repetindo várias vezes – isso não é balela, existem várias teorias da neurociência sobre. A sugestão é poder começar o estágio mais cedo, interagindo com o mundo corporativo a partir do básico, como acompanhar uma reunião ou estruturar um relatório. É uma oportunidade também para desenvolver soft skills. As empresas e instituições de ensino poderiam se abrir para isso, alterando o período para início de estágio, e assim agilizar esse processo de formação. É uma grande oportunidade para desenvolver mais cedo as soft skills e parte técnica prática, sem esquecer que teoria é fundamental. Outra forma de se aproximar da prática da sua área de atuação são os projetos de empreendedorismo familiar que ajudam muito a criar um arcabouço de experiências.

Henrique Gonzalez: Na medicina há o voluntariado em que o universitário acompanha o profissional na prática. Isso seria interessante na engenharia, antes do estágio talvez.

Mauro Wainstock: Treinamento é importante, e quanto mais a gente treinar mais a gente começa a acertar. Na defesa pessoal Krav magá, por exemplo, a aula é dividida em parte física e técnica. Quando você vai exercitar a parte técnica, você fica uma hora inteira treinando um mesmo movimento. E na aula seguinte você repete o movimento. A mesma coisa deve ser na engenharia porque é uma profissão em que você não pode errar.    

Henrique Gonzalez

 

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Julianna Curado 
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Santo Rei/Confea