
Brasília, 30 de abril de 2025.
“Vai um cafezinho?”. Base da economia brasileira durante o chamado Ciclo do Café (1800-1930) e ainda um importante produto da balança comercial brasileira, apesar do preço alto para o mercado interno atualmente praticado, a bebida originária da África e que se tornou uma necessidade, mais ou menos voluntária, de consumidores de todo o mundo pode ver sua produção reduzida nos próximos anos. Alvo de inúmeras pesquisas nos dois hemisférios, o nosso cafezinho de cada dia pode estar ameaçado pela elevação da temperatura ocasionada pelas mudanças climáticas atuais. Os estudos chegam a considerar a interferência do calor sobre elementos como oxigênio, nitrogênio e carbono (fracionamento isotópico) no comprometimento da qualidade da cultura.
Pesquisas como a desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), denominada “Impactos das mudanças climáticas globais sobre problemas fitossanitários – Climapest”, tentam simular os impactos desse e de outros fatores sobre o produto. As consequências vão da perda da produção ao comprometimento da sua acidez, aroma, sabor e corpo. Assim, o preço, como já podemos constatar, poderá não ser a única coisa não palatável do café nos próximos anos. A “commodity brasileira”, responsável por 33,3% da safra mundial prevista para 2024-2025 (58,81 milhões das 176,2 milhões de sacas de 60 kg das espécies café arábica e robusta+conilon, segundo o ministério da Agricultura, via Agência Gov), pode também perder alguns aspectos físicos que promovem boa parte do seu charme.

Adaptação
Segundo o auditor fiscal do ministério da Agricultura, o ex-conselheiro federal eng. agr. Kleber Santos, o problema já enfrentado pelo café, apesar do desenvolvimento tecnológico avançado com adaptação ao clima e do aumento da produção, também está presente em outras culturas produzidas no país. “O que a gente detecta, em um cenário para longo prazo, é que os impactos já estão ocorrendo de forma gritante. Inclusive, os profissionais da assistência técnica estão recomendando tecnologias de adaptação, como irrigação eficiente e uso de protetor solar junto à aplicação de insumos”.
Atual coordenador de Irrigação e Conservação do Solo e Água do Mapa e representante do ministério no Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima, responsável pela elaboração do Plano Clima, Kleber considera que o grupo promoveu “uma série de levantamentos, sem especificar uma cultura, apontando o impacto geral na agricultura, nos últimos 10 anos, dos eventos climáticos extremos: prejuízos na ordem de R$ 260 bilhões para a agropecuária brasileira”.
O que a gente detecta, em um cenário para longo prazo, é que os impactos já estão ocorrendo de forma gritante
Somente em 2022, diz, citando dados do portal Adapta Brasil, os eventos de seca resultaram em prejuízos de R$ 57,4 milhões. “Daí que está em construção a Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima (setorial da Agricultura e Pecuária), que se trata do plano do governo federal, coordenado pelo ministério do Meio Ambiente – MMMA, para enfrentamento à mudança do clima. O Plano Clima – Adaptação – Setorial Agropecuária possui três objetivos oito metas e 18 ações, com incentivos para a agricultura sustentável”, complementa.
O ex-presidente da Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab) destaca que até o dia 9 de maio estão em consulta pública os planos setoriais e temáticos de adaptação que compõem o Plano Clima. Aberta em várias áreas, o Plano é um dos principais instrumentos que irão compor a Política a ser levada à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém, de 10 a 21 de novembro (confira detalhes em anexo).
- Estratégia para adaptação recebe propostas até 9 de maio
A Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima recebe, até 9 de maio, na plataforma Brasil Participativo, propostas integradas por eixos temáticos (contexto setorial; riscos e vulnerabilidades no Brasil; adaptação e gestão, monitoramento e avaliação do plano) e por objetivos nacionais como aumento da resiliência das populações, cidades, territórios e infraestruturas; a promoção da segurança hídrica; a proteção, conservação e fortalecimento da biodiversidade; e a garantia de segurança energética.
A Estratégia é apenas uma das partes do Plano Clima, composto ainda pela Estratégia Nacional de Mitigação (ENM), pelos sete planos setoriais e temáticos para mitigação e 16 para adaptação e pelas Estratégias Transversais para a Ação Climática, apontando financiamento, governança e capacitação para a transição justa.
A ENM reúne medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2035 como uma transição para uma economia com emissão líquida zero de gases de efeito estufa até 2050. Controle do desmatamento; conservação, restauração e uso sustentável dos ecossistemas; transição energética para transportes e meios de mobilidade urbana sustentáveis e de baixo carbono e modernização para a indústria de baixo carbono estão entre os objetivos gerais da estratégia.
A mitigação proposta abrange o cumprimento da meta do Acordo de Paris, voltada à limitação do aquecimento médio do planeta a 1.5ºC na comparação com os níveis pré-industriais. E também fornece diretrizes para a implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), voltada para a redução das emissões de gases de efeito estufa, também sob a perspectiva do Acordo de Paris.
“Estão aumentando os instrumentos de política agrícola como o seguro agrícola, até para proteger o agricultor das perdas. O zoneamento edafoclimático também está atento, fornecendo um mapeamento dinâmico de onde se pode plantar no Brasil. A tendência é que isso vá impactando. Uma coisa é certa, a cultura tem que se adaptar a isso, adotando práticas sustentáveis, variedades com maior resistência à seca. O café é apenas uma das culturas impactadas que já está procurando promover o enfrentamento diante da mudança climática”.
O café é apenas uma das culturas impactadas que já está procurando promover o enfrentamento diante da mudança climática
Pesquisas
“O estresse hídrico prolongado acarreta danos à floração, redução do desenvolvimento de grãos, danos aos frutos e morte das plantas (Damatta; Ramalho, 2006). Ocorre, ainda, menor absorção de nutrientes e baixa taxa de transporte de íons. Sob essas condições, a planta reduz sua fotossíntese e minimiza seus rendimentos”, descreve, mais especificamente, o artigo “Efeitos das características ambientais na qualidade do café”, dos pesquisadores eng. agr. Helena Maria Ramos; eng. ftal. Margarete Marin Londelo Volpato; eng. agr. Flávio Meira Borém; eng. agr. José Marques Júnior; eng. agr. Diego Silva Siqueira; eng. agric. Emília Hamada e eng. ftal. Rosângela Alves Tristão Borém, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), em artigo publicado no número 327 do Informe Agropecuário, em 2024.

O artigo pondera, claro, a existência de outros fatores, como a altitude e o solo, nesta análise de aptidão da planta. No entanto, a diversidade climática, sobretudo sua elevação, é apontada como o principal fator para as variações nas características de acidez, corpo e aroma da bebida, inclusive em torno daqueles denominados por cafés especiais. “A temperatura é apontada como o principal fator ambiental para a produção de cafés especiais. A temperatura média do ar, durante o desenvolvimento do fruto, afeta o perfil sensorial de bebida”, consideram os pesquisadores. Logo em seguida, a análise passa a tratar das variações de pressão e temperatura ocasionadas pelas mudanças climáticas.
“Os impactos das mudanças climáticas começam a pressionar o setor cafeeiro, pois eventos extremos têm afetado a cafeicultura e poderão alterar as atuais delimitações de áreas com potencial adequado de clima para produção econômica e também para produção de cafés especiais. O aquecimento tem alterado a distribuição das espécies cultivadas, a aptidão das áreas de cultivo e a ocorrência dos principais eventos biológicos, como a floração e a emergência de insetos, afetando a qualidade dos alimentos e a estabilidade da colheita”, afirmam.
Com base em estudos publicados em outros países, o aumento à exposição à luz é considerado fator para a redução dos atributos sensoriais da bebida. O documento cita ainda pesquisas baseadas nos cenários de emissões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Com o título “Sistemas agroflorestais podem mitigar os impactos das mudanças climáticas na produção de café: uma avaliação espacialmente explícita no Brasil”, Gomes e outros pesquisadores publicaram, em 2020, na Holanda, um estudo que sugere a redução das perdas (estimadas em 60% até 2050) por meio da adoção de sistemas agroflorestais, responsáveis pela redução das temperaturas.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea
Fotos: Divulgação