Vitória (ES), 09 de outubro de 2025.

Gestão e descarte irregular de resíduos é um dos temas mais abordados por pesquisadores da área ambiental e sanitária no mundo. No Brasil, a erradicação dos lixões ainda está longe de ser uma realidade. Este foi o tema debatido no Auditório Cabloco Bernardo, na tarde desta quinta-feira (8), na 80ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (Soea), em Vitória (ES).
O painel foi dividido em duas etapas: em um primeiro momento, os pesquisadores apresentaram um panorama dos lixões em comparação aos aterros sanitários. No segundo momento, gerentes de fiscalização dos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Crea) do Ceará e do Rio Grande do Sul, mostraram o planejamento e as ações de fiscalização nesses locais.
Como mediador das duas etapas, o conselheiro federal, Leonardo Duarte saudou todos os convidados e fez uma breve introdução sobre o assunto.
“Nós vamos tratar de um tema extremamente importante para toda a sociedade brasileira e mundial, até porque estamos tratando de um bioma muito sensível, de uma visibilidade mundial e a gente precisa fazer a coisa bem feita. Nesse sentido a gente tem um painel aqui extremamente rico”, disse
O primeiro palestrante, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), engenheiro civil e ambiental José Fernando Thomé Jucá, apresentou um breve perfil dos lixões e aterros sanitários dos estados do Norte do país. Em um contexto geral, a Amazônia brasileira, comparada com a colombiana e peruana, possui mais recursos e, por isso, gera-se mais resíduos. Aproximadamente 62% dos resíduos da região são levadas para os lixões enquanto que apenas 38% para aterros sanitários.
Esse cenário não acontece nas regiões Sul e Sudeste, por exemplo. Há um predomínio maior de resíduos destinados aos aterros sanitários, sendo 69% dos resíduos. Estados como o Acre, Amapá, Amazonas, Roraima e Pará possuem apenas um aterro sanitário. Já Rondônia e Tocantins possuem cinco aterros cada.

Para o engenheiro, a erradicação dos lixões precisa de financiamento e trabalho conjunto entre a sociedade e o poder público. “É preciso ter utilidade também, pensar por um ponto de vista socioambiental. O projeto precisa ser compatível com a realidade daquele município, não adianta fazer um projeto que o município não consegue pagar. É importante saber o volume e o custo para tratar isso”, disse Jucá. Como exemplo de projetos, o professor citou o estado de Pernambuco que começou a erradicação de lixões em 2001. À época, o estado não possuía nenhum aterro sanitário e em março de 2023, conseguiu zerar os lixões.
Em seguida, o engenheiro civil e superintendente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), André Galvão, complementou o pesquisador desmistificando as dificuldades dos gestores municipais na criação de aterros sanitários. Segundo Galvão, o principal entrave é o custo para levar os resíduos e manter o aterro. “Municípios que estão a até 100km do aterro, podem fazer o transporte do lixo para o aterro. Os prefeitos citam o custo como principal fator, porém, em uma estimativa, gera um aumento de 1% a 2% no mês para o município”, disse.
André defendeu a criação de unidades de transbordo, onde o município encaminha os resíduos para o local e grandes caminhões levam para o aterro. Esse método ajuda a transportar resíduos de municípios que estão mais afastados do local. “Precisamos pensar também em elementos e políticas que coloquem o catador no processo produtivo. O Brasil tem aproximadamente três mil lixões e, em uma projeção, mais de 1 mil poderiam ser encerrados atualmente. Precisamos pensar numa escala, regionalização e logística adequada. O custo de operação de um aterro é mais alto do que da criação, então é preciso pensar e planejar”, afirmou.

Com o objetivo de orientar e fornecer estudo técnico aos gestores municipais, o superintendente do Serviço Geológico do Brasil (SGB), do Ministério de Minas e Energia, geólogo Homero Reis de Melo Junior, apresentou os trabalhos realizados pela empresa do governo. O superintendente explicou que é feito um guia com as definições de possíveis áreas, treinamento e capacitação da equipe municipal para a criação dos aterros. As etapas do estudo consistem em trabalhos internos, diretos, análises laboratoriais e um comparativo entre áreas.
A primeira etapa é fazer uma estimativa de crescimento populacional daquele município nos próximos 20 anos, que é o tempo de vida útil do aterro. Isso envolve a quantidade de resíduos que serão gerados nesse crescimento, até a quantidade de área mínima necessária para receber aquele volume. Depois, um sistema indica quais regiões seriam mais apropriadas para a instalação do aterro.
Durante a segunda etapa, os geólogos vão a campo fazer o levantamento de amostras do solo para serem encaminhadas ao laboratório. Nesse processo, os pesquisadores identificam os principais minerais e tipos de sedimentos. “Por fim, é feita uma análise comparativa das áreas com base em vários fatores e o relatório é entregue para a prefeitura. Depois, o gestor também pode buscar recursos federais para a viabilidade do aterro”, explicou.

Para finalizar a primeira etapa do painel, o diretor-geral da Mútua-PA, engenheiro sanitarista Josué da Costa Rocha, apresentou um mapeamento realizado pelo Crea-PA de lixões e aterros no estado com uso de geotecnologias. O diretor enfatizou a participação dos presidentes dos Creas no incentivo a erradicação dos lixões. “A estratégia é pegar todos os presidentes dos Creas para se envolverem com os poderes públicos porque isso nos une, todos nós produzimos resíduos e se nós não determinarmos a resolver isso, nunca vai acontecer. O próximo passo é a cooperação, colaboração e a vontade de fazer mesmo correndo riscos”, disse.
Ações de fiscalização dos Creas em lixões e aterros sanitários
Em um segundo momento do painel, a gerente de Fiscalização do Crea-CE, engenheira civil Daniela Bastos de Queiroz e a agente de Fiscalização do Crea-CE engenheira civil Patrícia Oliveira Silva apresentaram em conjunto as ações do Crea cearense. Segundo Daniela, o Brasil coleta em média 93,4% dos resíduos produzidos e as ações de fiscalização são realizadas em vários elementos. Nas unidades de transbordo, é verificado o uso da balança e se há um responsável técnico habilitado no local. “O Crea atua como instrumento técnico de apoio a essa fiscalização, precisávamos entender o que seria fiscalizado e, quando fizemos a primeira coleta de dados, alguns municípios estavam estruturados, mas muitos nem começaram a se estruturar para iniciar a erradicação. Nesses locais, verificamos que não havia um profissional “, disse.

Os desafios na fiscalização se deu devido às localizações, falta de dados consolidados, resistência dos gestores, muitos não permitiam a verificação do fiscal e empreendimentos abandonados.“ Acredito que a fiscalização precisa estar empenhada, monitorando se cada etapa possui um profissional habilitado, o primeiro passo é ter responsáveis técnicos”, defendeu Patrícia.
Para finalizar o painel, a chefe do Núcleo de Fiscalização do Crea-RS, Alessandra Borges, apresentou os resultados da fiscalização gaúcha. No estado todos os lixões foram erradicados, então o foco principal eram os aterros. “Nosso foco foi trabalhar com fiscalização preventiva. O objetivo foi verificar o exercício legal da profissão. Recebemos a demanda, começamos a fazer o planejamento, mapeamento dos aterros e divisão de equipes e capacitação”, informou.
O Rio Grande do Sul possui 47 aterros sanitários e, durante a fiscalização, houve denúncias de lixões irregulares. “Nossa fiscalização gerou 121 atividades regularizadas e 33 profissionais contratados. Acho que a contratação do profissional é essencial até por uma questão de redução de custo. O profissional vai fazer um estudo de custo e minimizar isso para os gestores”, analisou.
Reportagem: Caroline Mesquita
Edição: Fernanda Pimentel
Fotos: Sto Rei e Impacto/Confea