Para presidente do Crea-MS, Brasil deve priorizar educação

Leia entrevista publicada na revista Rural Centro

Campo Grande, 17 de fevereiro de 2011

Ao tirar as fotos necessárias para redação da entrevista com o presidente do Crea-MS (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de Mato Grosso do Sul), o engenheiro civil Jary de Carvalho e Castro, noto, no balcão ao fundo de sua mesa, uma foto dele com o arquiteto Oscar Niemeyer. “Foi em outubro de 2009”, informa a assessora de comunicação. Curioso para saber mais informações, soube de uma placa, instalada dentro do prédio, que grava algumas palavras do profissional mais importante dentro da arquitetura e urbanismo nacional destinadas com exclusividade ao conselho. A citação é a seguinte:

“Me interesso sempre em falar com a juventude, principalmente com os que estão estudando arquitetura, que é a minha profissão.

Eu recomendo aos jovens que o importante hoje é ler, ler o que for preciso. Geralmente, o jovem entra para a escola superior e o assunto do País é esquecido. Ele dedica-se apenas ao que trata da sua profissão. Isso faz dele um especialista. Um médico só fala em medicina, engenheiro só fala em engenharia e o jovem fica perdido nesse mundo tão difícil, cheio de problemas, dos quais ele não pode se informar.

Eu tenho uma revista de arquitetura - Nosso caminho - e nessa revista a arquitetura é um pretexto. Ela é dedicada a levar aos jovens ensinamentos sobre os problemas da vida, do mundo, aos quais ele tem que se deter.

De modo, eu gostaria de lembrar a vocês é isso: a necessidade de informar.”


Sob a mesma orientação de Oscar Niemeyer, o presidente do Crea-MS também acredita na importância da educação. “80% das pessoas que largam o curso de engenharia é porque não têm base na parte do ensino médio, principalmente de física e matemática”, alerta Castro.

Leia a entrevista na íntegra:

Rural Centro: Como funciona o Crea-MS?

Aqui fazemos da seguinte forma: o sistema é presidencialista e parlamentarista. Eu fui eleito para o triênio 2009-2011, completando agora meu último ano. A diretoria é composta ano a ano por uma eleição de conselheiros. Aí tem as entidades que enviam os conselheiros, que são 46 no nosso plenário, vindos de quatro câmaras (Engenheria Civil, Agronomia, Eletro-Mecânica e Arquitetura). Eles vêm da iniciativa privada, podem ser funcionários públicos ou ainda professores universitários. São representantes da sociedade que estão aqui dentro. Todo ano um terço desses conselheiros sai para haver renovação.

RC: Vocês não atendem exatamente a classe, mas sim atentam para a qualidade no serviço prestado por ela?

Sim. Vamos falar sobre salário mínimo, que é uma coisa que eu luto muito. Não é função do Crea, mas sim dos sindicatos. Como o Crea é um nome muito forte, tanto para a sociedade quanto para o poder público, temos a obrigação de nos juntar às entidades na luta para atender reivindicações, não se esquecendo que eu sou um profissional da classe. Estou presidente, mas sou engenheiro civil.

Eu vou ficar muito feliz em deixar meu cargo de presidente se todos os profissionais vinculados ao Crea receberem o piso salarial. Hoje nós sabemos de colega que trabalha com secretaria de obras no interior do estado e recebe 900 reais para responder em até 20 anos pela obra que realiza.

Com a qualidade do profissional que nós temos aqui, mesmo com o tamanho ínfimo de Mato Grosso do Sul perto de outros estados, fomos eleitos duas vezes coordenadores do Colégio de Presidente (CP) do Confea (conselho federal da classe). Isso nos dá um orgulho muito grande.

RC: O que houve em 2007 pra que houvesse uma melhora das condições da classe dos engenheiros?

Há aproximadamente 20 anos houve a estagnação da construção civil. Nós vemos que hoje existem muitos profissionais ligados ao sistema que se formaram e não exercem a profissão. Eu sou exemplo vivo dessa geração. Formei em 85, peguei toda a crise e consegui sobreviver não sei como. Aí, em 2007, foi criado o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e ele movimentou a economia do país. Teve um trabalho do presidente anterior ao Luís Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, e houve um acerto na economia do país. O Lula, aproveitando o momento, lançou o PAC e desencadeou todo o processo que nós estamos vivendo. O crescimento do país foi acelerado e bateu de 7 a 10% o crescimento anual do PIB, algo muito grande. Inclusive o Brasil não estava preparado pra isso.

Nós temos um grande defeito - somos um país sem planejamento, que faz as coisas e depois sai arrumando. Campo Grande, há até pouco tempo, não tinha engarrafamento e hoje tem. Qualquer lugar do país tem problema grave de engarrafamento, escoamento de água, esgoto, pavimentações. As estradas não comportam mais a carga, o que causa muitos acidentes... O país está em ebulição! Nós temos um déficit de quase 10 milhões de moradias para pessoas que ganham de três a cinco salários mínimos. Na infraestrutura, precisamos de estrada, viadutos, portos, aeroportos, estamos pra receber a Copa (do Mundo de Futebol, 2014), as Olimpíadas do Rio de Janeiro 2016 e o país não está preparado.

RC: Cabe ao Crea brecar o crescimento e planejá-lo melhor?

As multinacionais que vêm para o Brasil pegam um país totalmente atípico no mundo. Quando os presidentes dessas empresas querem testar os funcionários, mandam pra cá para ocupar cargo em diretoria ou presidência. Aqui muda muita lei e é um país eclético. Se esse cara tiver sucesso aqui, ele tem no mundo inteiro. Então a palavra “parar” o crescimento não é boa. Nós temos que continuar e nos adequar.

Nós estamos formando 30 mil engenheiros por ano e precisamos de 60 mil. Não vamos parar de construir. Nós temos que suprir esse déficit com 30 mil engenheiros que estão parados, capacitá-los rapidamente e mostrar que o mercado da iniciativa privada paga bem.

RC: Como planejar melhor o crescimento?

O país que não investe na educação está fadado ao insucesso. Se você pegar um país igual ao Chile, que é um país pequeno em relação ao Brasil, no sul é frio e no norte tem o deserto do Atacama, mas é um país exemplo. O atual presidente investe maciçamente em educação.

Eu estive na China recentemente para visitar a feira de tecnologia em Xangai. A China há 50 anos era um país de agricultura rudimentar. A imagem é que nada possuía tecnologia agregada. Eu cheguei e andei um trem a 350 km/h (veja foto abaixo). Eu estive lá em uma missão técnica e visitei a Baosteel, segunda maior siderúrgica do mundo, cujo minério é 40% de procedência brasileira. Eles investiram em educação. Existem também outros exemplos, como Finlândia, o Japão pós-guerra, Alemanha.

Aqui nós temos o programa Crea Júnior, que consiste em transmissão de conhecimento dos mais experientes aos jovens que estão na faculdade, pra que eles errem menos que nós.

RC: E como um órgão conselheiro de uma grande classe, como funciona atender todos ao mesmo tempo?

Nós temos várias profissões, somos um conselho diferente. Então é um aprendizado. Eu cresci muito aprendendo a lidar com diferenças, com as crises. É uma casa com muitos conflitos porque tem várias profissões. Ainda assim, conseguimos conviver muito bem. Tivemos até uma eleição tranquila, transmitida ao vivo pela internet.

Aliás, eu convido os profissionais que estão lendo essa entrevista e que não estão aqui que venham ao Crea. Entrem nas entidades porque só assim a gente consegue crescer. Não adianta nada reclamar só no seu meio e não participar.

RC: O senhor citou uso da internet. Como o Crea faz essa interface?

Nós somos um conselho de tecnologia, né? Então temos a obrigação de usá-la. Hoje, 65% dos profissionais acessam a informação primeiro pela internet. Acabamos de assinar um convênio para o Crea Digital, onde qualquer profissional pode ter dentro do site do Crea um currículo com sua foto, sem custo nenhum.

RC: E como fica o Crea-MS com a saída dos arquitetos?

Nós sofremos um baque e estamos fazendo uma readequação, mas vamos sobreviver. Nós vamos andar com dois conselhos irmãos, porque não tem como separar arquitetura e engenharia, mas serão conselhos distintos. Na verdade, quem vai ganhar muito com isso são os advogados, porque vai ter muita briga. Algumas a gente vai conseguir resolver e outras vamos precisar de apoio jurídico. Mas esse ano de 2011 é tranquilo, eles vão estar dentro do conselho, vamos ajudá-los montar o deles e dentro do que eu puder fazer, eu ajudo.

RC: Qual é a grande demanda do Crea para 2011?

Nós vamos acompanhar a saída dos arquitetos do sistema, trabalhar cada vez mais a caravana integração (projeto que leva a diretoria do Crea-MS a cidades do estado para verificar os serviços prestados no interior), fortalecer cada vez mais as entidades, sindicatos e associações e continuar implantando a Gespública (programa do Ministério do Planejamento e Orçamento, voltado para orientar os órgãos públicos, baseado na avaliação continuada da gestão).

Fonte: Entrevista veiculada no site Rural Centro