Emilia Frasson Manhães

Engenheira Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em 1960

Nascimento: Alfredo Chaves (ES), 9 de dezembro de 1929
Indicação: Sociedade Espírito-Santense de Engenheiros (SEE) e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES)

Um bolo em forma de catedral. Esse foi o primeiro passo da engenheira civil Emilia Frasson Manhães nas edificações, ainda muito jovem. Na década de 1940, em Castelo, município espírito-santense onde cresceu, o ensino médio para moças consistia apenas na formação de professoras. Neta de inventor e filha de carpinteiro, Emilia não se imaginava seguindo a carreira do magistério.  Assim, após concluir o ensino fundamental, ocupou-se de diversas atividades – entre elas, a confeitaria – até que a cidade oferecesse o curso científico, modalidade na qual concluiu o ensino médio.  Seus bolos de casamento eram muito elaborados e incluíam detalhes surpreendentes, como uma caixa de som embutida, fazendo com que a música irradiasse de dentro do bolo. “Você gosta de criar, estude Engenharia”, foi o conselho de um primo que já estudava na capital, Vitória. E para lá seguiu Emilia.

Ao ingressar em Engenharia, sua turma tinha três garotas, mas já no segundo ano, Emilia passou a ser a única mulher de sua turma. Na cidade, foi pioneira no uso de calças compridas, que sua avó mandou fazer sob medida para que pudesse participar das aulas de campo de Topografia sem que os colegas vissem suas peças íntimas ao subir nas pedras para medição. No entanto, tinha que trocar o vestuário por saia ou vestido na aula de Cálculo, porque o professor não aceitava lecionar para uma mulher que trajava calças.

Apesar das dificuldades impostas para uma mulher estudante de Engenharia nos anos 1950, Emilia nunca pensou em desistir. Aos 95 anos, ela soltou uma gargalhada quando deparada com essa pergunta. “Desistir por quê?”. Emilia se formou em 1960 na então Escola Politécnica, que passou a integrar a Universidade Federal do Espírito Santo.  Foi a primeira mulher a se formar em Engenharia no estado e também a primeira a se registrar no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo.  Seu registro, de número 16, é o mais antigo ainda ativo no Crea-ES.

Após a conclusão do curso, Emilia participou de obras e empreendimentos relevantes para o estado do Espírito Santo. Além de ter coordenado a construção do Campus da Ufes, teve papel fundamental na implantação do bairro Jardim da Penha na década de 1970, como especialista em cálculo estrutural. “Praticamente todos os prédios daquela época foram calculados por mim. Trabalhava como autônoma e para empresas de Engenharia. As empresas da construção civil que atuavam naquele local precisavam de um calculista e me procuravam. Fui responsável técnica por mais de 50 prédios no bairro de Jardim da Penha”, estima. “O mestre de obras às vezes achava que sabia mais que eu”, conta sobre ser mulher engenheira naquela época. “Por outro lado, os operários me adoravam.”

Entre os projetos de que ela mais sente orgulho está um de seus primeiros trabalhos, ainda na década de 1960: a Agência do Banco Minas, no centro de Vitória. “O projeto era ousado, apresentava um grau elevado de dificuldades técnicas à época. Outros engenheiros consultados não se habilitaram a assumir a missão. A proposta era calcular e executar a obra com um vão livre muito amplo e com o teto reforçado para garantir a segurança da agência bancária e evitar o acesso pelo teto”, lembra.

Quando Emilia entrou na faculdade, em meados dos anos 1950, ainda não estava popularizado no Brasil o uso da calculadora. Os cálculos eram todos feitos manualmente, assim como os desenhos das plantas. Os engenheiros dessa época testemunharam grandes avanços tecnológicos, desde a régua de cálculo, passando pelas calculadoras simples, pelas científicas, até os computadores pessoais, diversos tipos de softwares e impressoras. Prédios que levavam seis meses para serem calculados e detalhados, de repente podiam ser calculados e impressos em uma semana. A vida de um profissional que trabalhou com tecnologia no século XX e início do século XXI foi se adaptar.

Emilia integrou o Departamento de Planejamento e Obras da Ufes, do qual foi diretora, até sua aposentadoria como servidora pública federal. Como engenheira autônoma, trabalhou até os 86 anos. Com essa idade, entregou seu último prédio, um edifício de 22 andares e piscina no topo. Fez todo o acompanhamento da obra pessoalmente, laje a laje. “É muito satisfatório. Acho que é como quando as costureiras fazem o vestido de noiva, quando terminam e penduram o vestido e dizem ‘pode vestir’. É a mesma coisa quando a gente termina um prédio. Eu sinto falta da concretagem da primeira laje. Sinto falta de ver a fundação. Sinto falta de obra, mas não sinto falta de trabalhar. Ficar se atualizando o tempo todo cansa”, disse, aos 95 anos.

A engenheira é viúva, tem uma filha e criou seis sobrinhos. Residente em Vila Velha, Emilia lê, assiste a filmes, faz crochê, tricô, cuida das plantas, caminha no calçadão da praia, frequenta a academia. “Você não precisa fazer correndo, faça com cuidado. A perfeição é que cria bons trabalhos”, aconselha Emilia, referência para diferentes gerações de engenheiros e engenheiras capixabas.