Brasília, 18 de novembro de 2025.
Uma pesquisa desenvolvida por uma equipe multidisciplinar coordenada pelo engenheiro químico Marcelo Seckler pode contribuir para não atingirmos o limite mundial previsto para ser atingido até 2030 (com as atuais médias de emissões): 170 bilhões de toneladas de CO₂. “Vamos reduzir significativamente o gás carbônico derivado da queima do bagaço da cana, que seria devolvido para a atmosfera. Mesmo sendo este um carbono neutro, o nosso processo reduz esse CO₂ na atmosfera, tendo um efeito, não só de evitar a emissão, mas de regeneração”, explica.
Assim, a parceria entre a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade de São Paulo (USP), por meio do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e mais recentemente pelo INCT CAPICUA – que já vêm consolidando diversas outras pesquisas sobre energias renováveis – está tornando realidade uma tecnologia que captura 95% do CO₂ emitido no processo de queima da biomassa da cana-de-açúcar durante a produção de etanol.
O principal objetivo da Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 30) se volta à redução da emissão de gases do efeito estufa, principalmente, o gás carbônico (CO₂). Segundo pesquisa da Universidade de Exeter, na Inglaterra, dentro do relatório Global Carbon Budget 2025, apresentado na última quinta-feira (13/11), no evento realizado na capital paraense, as emissões mundiais devem chegar, já neste ano, a 38, 1 bilhões de toneladas. “Estamos desenvolvendo uma tecnologia para captura de CO₂ que, potencialmente, tem menor consumo energético e menor custo que outras alternativas, facilitando a implementação destas medidas urgentes de mitigação das emissões de CO₂”, comenta na entrevista a seguir o professor da Escola Politécnica da USP.


A tecnologia desenvolvida por Seckler e por pesquisadores de áreas como engenharia química, engenharia mecatrônica, geologia e química envolve a construção de equipamentos de captura com design geométrico inovador, otimizando o escoamento de gases e a transferência de calor e massa. Outra diferença está no método de separação dos elementos do processo, utilizando a adsorção (tecnologia com desenvolvimento consolidado nos laboratórios da universidade federal cearense), em substituição à absorção por líquidos. A técnica usa peneiras moleculares adsorventes, ou seja, um material sólido que retém moléculas em sua superfície, no caso, a zeólita 13X, na configuração de leito fluidizado. Com economia de energia e custo, o método permite a captura de 95% do gás carbônico resultante da produção de etanol (com potencial para ser aplicado em outras biomassas). Confira a seguir outros aspectos da pesquisa.
Confea – Sua pesquisa, desenvolvida na UFC em parceria com entidades como o CNPQ, a Fapesp e o RCGI, da USP, aponta para a captura de até 95% do gás carbônico emitido no processo de queima da biomassa da cana-de-açúcar para a produção de etanol. Parece ser realmente um marco para aumentar a sustentabilidade desse biocombustível e com potencial inclusive para outros usos. O senhor poderia nos explicar como isso se daria?
Eng. quim. Marcelo Seckler – A captura do gás carbônico já pode ser realizada de outras formas com o rendimento citado de 95%, mas há dois aspectos que limitam a sua aplicação industrial. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o CO₂ foi formado para gerar energia, logo sua captura deve ter um consumo energético baixo em relação à energia gerada originalmente. Neste aspecto, tecnologias de adsorção como a que estamos desenvolvendo são mais vantajosas que o método mais consolidado, baseado em absorção. O outro aspecto importante é o custo. Na tecnologia que desenvolvemos, a adsorção é realizada em leito fluidizado, que requer um menor tempo de processamento que os métodos convencionais de leito fixo, por isso, potencialmente, o custo é menor. Em resumo, estamos desenvolvendo uma tecnologia para captura de CO₂ que, potencialmente, tem menor consumo energético e menor custo que outras alternativas, facilitando a implementação destas medidas urgentes de mitigação das emissões de CO₂.
Confea – A construção desse design se deu, por meio da perspectiva da engenharia química, contou com a colaboração de profissionais de outras áreas?
Eng. quim. Marcelo Seckler – Sim. A perspectiva interdisciplinar é fundamental para o desenvolvimento de novas tecnologias. Desde a sua concepção, o projeto contou com pesquisadores em diferentes áreas, para abranger conhecimentos percorrendo a escala molecular, para entender como as moléculas de CO₂ se ligam (são capturadas) ao adsorvente, a escala dos equipamentos (qual o tamanho e a geometria ideal para o equipamento de captura) até a escala de processo, que inclui etapas a montante e jusante da adsorção propriamente dita, tais como pré-tratamento do gás, dessorção do CO₂ capturado e sua armazenagem, entre outros. Parte das pesquisas são teóricas e computacionais, parte experimental. Na USP, envolvemos pesquisadores das áreas de engenharia química (prof. Galo Le Roux, Prof. José Luis de Paiva), engenharia mecatrônica (prof. Emílio C. Neli Siva), química (prof. Ataualpa Braga) e geociências (prof. Fabio R.Dias de Andrade). Foi importante, para os desenvolvimentos, buscar as competências na UFC, que tem um centro de excelência em adsorção (profa. Diana C.S. de Azevedo, prof. Moises Bastos Neto), e passamos a atuar no âmbito do INCT Capicua, que congrega seis universidades atuando em diferentes frentes relacionadas à captura e utilização de CO2 (UFC, USP, UECE, UFSCAR, UFSC e UNIT-SE).
Confea – A redução de custos e a eficiência energética são apontados pelo senhor como dois dos principais lastros para a continuidade da pesquisa. Quais são as expectativas para sua continuidade até o estágio industrial da sua aplicação?
Eng. quim. Marcelo Seckler – Já mostramos que o conceito do processo de captura em leito fluidizado é promissor, os próximos passos são realizar uma análise econômica e ambiental mais refinada. Com resultados positivos, são necessários ainda experimentos em escala piloto.

Confea – No momento em que o mundo discute a necessidade da mitigação e da adaptação às mudanças climáticas, na COP 30, como o senhor define o papel desta tecnologia?
Eng. quim. Marcelo Seckler – Há muito se sabe que o planeta está aquecendo, há alguns anos os efeitos deste aquecimento já se fazem notar em diversas catástrofes ao redor do globo. Apesar disso, as ações concretas para combater este problema são tímidas. Para combater o aquecimento climático é necessário atuar em todas as frentes possíveis. São necessárias mudanças de hábitos das pessoas, assim como medidas para reduzir as emissões em diversas frentes: transição energética, descarbonização do transporte, indústria mais eficiente etc. A geração de energia por queima de combustíveis ainda será necessária por um bom tempo, por isso a captura do CO₂ gerado é uma medida importante. Se o combustível que gerou o CO₂ for biomassa, que em conceito já é quase neutro em emissão de CO₂, a sua captura oferece a possibilidade de gerar energia com emissão negativa de CO₂. Deve-se atentar, no entanto, para não se utilizar a captura de CO₂ como pretexto para continuar a queimar combustíveis fósseis.
Confea – Qual a importância do trabalho do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) e do INCT Capicua para a redução do uso e o controle dos danos provocados por esses gases?
Eng. quim. Marcelo Seckler – A indústria do petróleo investe muito pouco na transição energética, por isso é importante que tenhamos formas eficientes de avançar nesta direção. O RCGI e o INCT CAPICUA atendem a esta necessidade ao reunir centenas de pesquisadores das universidades do país. A Lei de Inovação e a Fapesp desempenham papéis importantes neste processo.
Confea – O senhor foi presidente do conselho superior da Associação Brasileira de Engenharia Química (ABEQ), que integra o Colégio de Entidades do Sistema (Cden) e vem mantendo uma boa interlocução com a Coordenadoria de Câmaras Especializadas de Engenharia Química (CCCEEQ) atualmente. Qual a importância desse diálogo? Como o senhor percebe a importância da atuação das entidades de classe junto ao Sistema Confea/Crea e Mútua?
Eng. quim. Marcelo Seckler – A ABEQ e Confea têm naturezas e dimensões distintas, mas ambas têm o objetivo convergente de valorizar o profissional de engenharia. Neste sentido, há muitas possibilidades de atuação conjunta ou complementar. A atual direção da ABEQ, encabeçada pelo Prof. Márcio André Fernandes Martins, tem feito um bom trabalho de aproximação com a CCEEQ.
Confea – Como o senhor percebe o desafio atual de atrair estudantes para as engenharias?
Eng. quim. Marcelo Seckler – É um desafio imenso. Todos os agentes ligados ao desenvolvimento do país têm a contribuir: universidades se aproximando do ensino médio, entidades empresariais valorizando mais a profissão, o governo fazendo a sua parte.
Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea
Fonte: Jornal da USP
