Como enfrentar as mudanças climáticas com a inteligência artificial?

Vitória (ES), 9 de outubro de 2025.

No painel “Soluções inteligentes diante das mudanças climáticas”, que aconteceu no Auditório Ticumbi, na tarde de 9 de outubro, durante a 80ª Soea, o futuro já começou. 
Moderado pelo eng. agrim. Joseval Carqueja, presidente do Crea-BA, cinco especialistas mostraram como a inteligência artificial está sendo aplicada nas cidades e no campo. 

Em sua palestra “A agricultura na era digital”, o eng. agric. Domingos Sávio Magalhães Valente, consultor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), explicou como dados coletados de diferentes fontes – como máquinas, sensores, drones e, mais recentemente, robôs – estão revolucionando o modo de produzir alimentos. Ele destaca as formas de coleta e uso dessas informações, que vão desde sensores em equipamentos agrícolas até drones capazes de mapear plantações com alta precisão. 

Segundo o pesquisador, a robótica tem se tornado uma nova e promissora fonte de dados, especialmente para melhoramento genético e automação de tarefas no campo. “Já existem robôs capazes de identificar plantas e realizar o controle de plantas daninhas de forma mecânica ou química, com alta eficiência. Essa realidade já está acontecendo. “Eu mesmo vi exemplos desenvolvidos aqui no Brasil durante o Agroshow 2024.” 

O engenheiro afirmou que a inteligência artificial, na agricultura, vai muito além de ferramentas conversacionais como o ChatGPT. “Na engenharia, utilizamos a IA para desenvolvimento de modelos preditivos e de identificação, como modelos de contagem de frutos, estimativa de produção e produtividade, e segmentação de imagens agrícolas. São tecnologias que vêm evoluindo rapidamente e trazendo ganhos reais para o setor.” 

Esses avanços, segundo ele, contribuem diretamente para aumentar a produtividade, reduzir custos e promover a sustentabilidade, diminuindo o uso de insumos e o impacto ambiental. “Hoje, a quantidade de dados gerados é tão grande que já não é possível processá-los apenas em planilhas. Precisamos de algoritmos inteligentes capazes de identificar padrões – e é a partir desses padrões que desenvolvemos os modelos que transformam a agricultura.”

Inovação e soluções para a agricultura digital e de precisão 
O geog. Abimael Cereda Junior, sócio proprietário da Geografia das Coisas, trouxe soluções para integração campo-cidade e resiliência territorial. “Estamos tratando de um sistema territorial complexo, que depende da interdependência entre fluxos físicos, sociais e ambientais. A precisão não é apenas sobre gadgets ou dados, mas também sobre processos de formação e inteligência institucional.” 

Para ele, a Inteligência Artificial (IA) não é uma urgência isolada, mas uma consequência natural do entendimento aprofundado do território. “O problema é geográfico. É preciso compreender a variabilidade espaço-temporal. Não se trata apenas de pensar espacialmente, mas de pensar de maneira integrada e multiescala.” 

O especialista ressaltou ainda que a solução aplicada na Região do Sul do país, por exemplo, não é necessariamente a mesma que se aplica na Região Norte. A resiliência territorial exige inteligência espacial e operacional; capacitação e integração de disciplinas; investimento em infraestrutura de dados e tecnologias. “Quando falamos em inteligência geográfica para resiliência climática, não é apenas sobre mapas, IA ou adjetivações. Trata-se de integrar metodologias e tecnologias para compreender, decidir e transformar o território.” 
     
IA no geoprocessamento para estudos ambientais 
O eng. amb. Gustavo Augusto Mendonça Aschutti, diretor do Gama Geo, começou sua palestra ressaltando o grande desafio de aplicar a Inteligência Artificial na engenharia ambiental. 

O uso da IA integrado ao geoprocessamento tem revolucionado a forma como monitoramos, analisamos e planejamos o território. A tecnologia permite processar grandes volumes de dados espaciais e ambientais, fornecendo respostas mais rápidas e precisas para a tomada de decisão. 

Na sequência, mostrou as principais técnicas na gestão ambiental, como machine learning: algoritmos que aprendem padrões a partir de dados históricos para prever comportamentos futuros; deep learning: modelos complexos capazes de identificar padrões em imagens e séries temporais, úteis para detecção de mudanças ambientais; modelos de previsão: aplicados em monitoramento hidrológico, riscos ambientais e previsão de poluição, auxiliando na prevenção de desastres. 

Também apresentou as aplicações práticas com a integração de modelos para fornecer respostas assertivas e orientar políticas públicas, além de sugerir as ferramentas atuais. 
A IA consegue processar rapidamente grandes volumes de dados, apesar da falta de dados em quantidade e qualidade suficiente para treinar os modelos. “Também é possível obter maior precisão e redução de erros humanos; possibilidade de análises em escala regional ou nacional e suporte direto à tomada de decisão em gestão ambiental.” 

No entanto, existem muitos desafios, como necessidade de bases de dados bem rotuladas e de qualidade, modelos complexos e difíceis de interpretar, alto custo computacional, além de questões éticas. “A IA deve apoiar, e não substituir profissionais qualificados.

Novas abordagens para o manejo sustentável 
A pesquisadora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e consultora em manejo sustentável de águas urbanas, Juliana Alencar, apresentou em sua palestra as chamadas soluções baseadas na natureza — um conjunto de técnicas e estratégias voltadas a enfrentar os desafios das cidades no manejo das águas. 

Historicamente, as cidades cresceram com infraestruturas cinzas, projetadas para conter e direcionar o fluxo das águas, mas que acabaram contribuindo para problemas como alagamentos, impermeabilização do solo e degradação ambiental. Hoje, diante das mudanças climáticas e da urbanização acelerada, esse modelo dá lugar a um novo paradigma: o das infraestruturas verdes e azuis, que integram a natureza ao ambiente urbano. 

Juliana apresentou exemplos práticos dessas soluções – como jardins de chuva, wetlands construídos e biovaletas – que ajudam a reter, infiltrar e purificar a água da chuva, reduzindo enchentes e melhorando a qualidade da água nos centros urbanos. 

Além disso, a pesquisadora salientou a importância de conectar áreas verdes por meio de corredores ecológicos e parques lineares, formando redes integradas de infraestrutura verde. Essas áreas proporcionam uma série de serviços ecossistêmicos, como regulação do clima urbano, sequestro de carbono, aumento da biodiversidade; criação de espaços de lazer e bem-estar para a população. 

Outro ponto destacado por Juliana foi a necessidade de controlar os poluentes urbanos – resultado direto da atividade humana. Nas cidades, é comum a presença de metais pesados, como chumbo, cobre e zinco, oriundos do tráfego de veículos e da deterioração de materiais de construção, além de hidrocarbonetos e óleos derivados de combustíveis. Também são frequentes nutrientes em excesso, nitrogênio e fósforo, provenientes de efluentes domésticos e resíduos orgânicos, e resíduos sólidos e microplásticos, que acabam sendo arrastados pelas águas pluviais para rios e mares. 

Segundo a pesquisadora, as soluções baseadas na natureza ajudam a reter e filtrar esses contaminantes, contribuindo para a recuperação dos ecossistemas urbanos e a melhoria da qualidade ambiental. “Essas técnicas não são mais alternativas — são o único caminho possível”, reforça Juliana. “Elas já são apontadas por estudos internacionais e por agências de financiamento como fundamentais para adaptar as cidades às mudanças do clima e torná-las mais resilientes.”

Soluções de drenagem e infraestrutura verde-azul. É possível termos cidades-esponja no Brasil 
O geog. Thomas Ribeiro de Aquino Ficarelli, presidente da Aprogeo-SP, sócio proprietário da Teraviz Consultoria, abordou o tema “Drenagem urbana e cidades-esponja”, um conceito cada vez mais aplicado em diferentes cidades do mundo para lidar com os desafios das chuvas intensas e inundações. 

Segundo ele, o Brasil enfrenta um cenário particular, marcado por grandes centros urbanos altamente impermeabilizados, com muito concreto e asfalto. Essa condição dificulta que o solo e as áreas verdes absorvam a água das chuvas, o que aumenta a necessidade de sistemas de drenagem complexos, como retificação de cursos d’água, canalizações e piscinões. 
Como alternativa, ele apresentou o conceito de infraestrutura verde e azul, que integra soluções baseadas na natureza com a engenharia tradicional. “Essas soluções podem transformar áreas urbanas, melhorando o paisagismo e a drenagem de forma conjunta”, explicou. 

No entanto, o engenheiro alerta que o país ainda enfrenta grandes desafios, como a definição de áreas prioritárias para aplicação desses projetos, a questão fundiária, a viabilidade técnica e financeira e, principalmente, a falta de uma política tarifária específica para drenagem urbana. “Enquanto pagamos tarifas de água, esgoto e até de resíduos sólidos – a famosa tarifa do lixo –, não existe uma tarifa de drenagem. Esse serviço acaba sendo diluído no IPTU ou depende de fundos públicos eventuais”, destacou. 

Ele defende que o investimento em drenagem precisa ser contínuo e direcionado, especialmente diante do aumento dos eventos climáticos extremos. 
“A infraestrutura verde e azul não substitui completamente a macrodrenagem, mas complementa e traz benefícios ambientais e estéticos para os bairros. É um investimento essencial para tornar nossas cidades mais resilientes”, concluiu. 

Assista ao vídeo 

 

Reportagem: Jô Santucci (Crea-RS) 
Edição: Julianna Curado (Confea) 
Equipe de Comunicação da 80ª Soea 
Fotos: Sto Rei e Impacto/Confea