Webnar do Crea-PE discute fundamentos e alternativas para o país

Economista Tânia Bacelar
Economista Tânia Bacelar discorreu sobre os fundamentos históricos e as atuais características da sociedade brasileira, na reabertura do projeto Terça no Crea, do Crea-PE

Brasília, 9 de setembro de 2020.


O Sistema Confea/Crea e Mútua mantém sua disposição em dialogar com os profissionais, a sociedade e os representantes de todos os poderes, em busca de transformações em prol do desenvolvimento do país. Na noite desta terça-feira (9), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (Crea-PE) promoveu edição especial do Webnar Terça no Crea, com o tema “Brasil: Com Base em que Princípios Construiremos uma Sociedade Mais Justa?”. O projeto do Comitê Tecnológico Permanente do Regional contou com a palestra da economista Tânia Bacelar, tendo como debatedor o engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio e como moderador, o engenheiro civil João Recena.

Segundo o presidente do Crea-PE, eng. civ. Evandro Alencar, tanto o Comitê Tecnológico Permanente, como o projeto Terça no Crea foram criados em 2016, “quando o Brasil passava por uma grande crise econômica e financeira e nós percebemos que o Crea poderia contribuir com mais espaço para a integração e o fortalecimento da capacitação técnica dos nossos profissionais. Conseguimos ter hoje o reconhecimento de que o Terça no Crea é uma qualificada agenda para ampliar o 'networking' no estado". 

O Comitê, explica, procura trazer a discussão das áreas de atuação profissional para dentro do Crea. “Ficou claro que não temos tempo, no nosso dia a dia, para discutir o que as nossas profissões trazem e devem trazer. O CTP será uma das grandes marcas da minha gestão, na minha mente e no meu coração. Estou muito feliz em lançar esse projeto, que agora fala sobre o Brasil, nessa primeira palestra”.


Reinvenção do Brasil
Evandro informou que serão realizados dois webnários mais amplos e outros focados em questões para o desenvolvimento do Brasil. “O Crea-Pernambuco e o CTP querem trazer uma contribuição para o Brasil pelas pessoas que estão envolvidas nesse projeto. Temos esperança e disposição para trabalhar e tirar o Brasil dessa situação, nesse momento de pandemia. Lamentamos as mortes, mas o Brasil precisa se reinventar”.

Presidente do Crea-PE Evandro Alencar
Engenheiro civil Evandro Alencar, presidente do Crea-PE, destacou a importância de o Regional discutir temas mais amplos que afetem o cotidiano dos profissionais e da sociedade

O moderador João Recena enfatizou que o Crea-PE buscou encarar esse desafio de conceber e planejar um projeto para o Brasil. “A gente admite que as nossas lideranças profissionais têm que encarar não apenas as questões técnicas, mas também as questões relativas às políticas públicas. Os engenheiros, os engenheiros agrônomos, os profissionais de geociências precisam discutir mais para que, por que, para quem eles estão fazendo. Coincidentemente, este primeiro evento acontece um dia depois do 7 de setembro. É isso que a gente queria trazer para essa discussão, não apenas as questões técnicas, mas também apontar que país é esse que queremos construir para os nossos filhos e netos”.


Princípios para uma nação
Doutora em Economia pela Universidade de Sorbonne Paris 1, Tânia Bacelar atuou na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, ao lado do economista Celso Furtado. Foi também secretária estadual da Fazenda no governo Miguel Arraes e secretária de Políticas de Desenvolvimento Regional do ministério da Integração Regional, durante o governo Lula. Na iniciativa privada, atuou na Consultoria Econômica e Planejamento – Ceplan.  

Em sua palestra, ela abordou quatro princípios – soberania nacional, democracia, solidariedade e sustentabilidade - que dialogam com o que ela definiu como “heranças do Brasil”. A economista apresentou uma ampla descrição de como as heranças socioeconômicas brasileiras e o atual momento do país interferem na aplicação desses princípios.

Ex-presidente do Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep) e ex-diretor executivo da Embrapa, o engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio pontuou as falas da economista, ao final da palestra, afirmando a necessidade de o projeto do Crea-PE pensar no Brasil de 2050 ou 2100. “Nenhuma nação é forte se não introjetar um sentimento de nação muito forte. Nós nos equivocamos muito. A maioria dos jovens que teve a oportunidade de ser mantido pela sociedade brasileira não tem consciência da necessidade de transformar a nossa sociedade. Um exemplo bem construído é a Embrapa”, disse, passando a comentar os princípios descritos pela palestrante.

Soberania e democracia 
Sobre o primeiro princípio, Tânia Bacelar afirmou que, apesar da dificuldade em tratar o tema em tempos de globalização e reorganização geopolítica, a soberania orienta a escolha do que fazer para o país. Lembrando a data da independência do país, na véspera, ela afirmou que “soberania rima com independência e autonomia. Soberano é quem toma decisões para se levar a um futuro que se pretende. Discordo que esse princípio não seja relevante no mundo globalizado e continuo valorizando esse conceito”. 

Geraldo Eugênio, por sua vez, ressaltou que “a soberania não é muscular, é cerebral. Não temos problemas com as fronteiras. Estamos distantes das grandes forças, o que nos ajuda, e se aprendermos a dialogar como nação independente poderemos conviver com esses países. Do ponto de vista cultural, político e econômico, somos complementares. Não sei se o Brasil necessita se fortalecer. Não precisamos ir para a academia, e sim para a biblioteca. O país soberano no século XXI é o que domina o conhecimento”.

Engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio
Engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio comentou todos os pontos levantados pela economista pernambucana


A respeito da democracia, Tânia Bacelar ressaltou que sua visão de soberania se situa em um projeto construído democraticamente, envolvendo interesses múltiplos. “A questão democrática é central para construirmos um projeto de nação. É preciso mobilizar pessoas, mapear e negociar interesses a que as pessoas têm direito. As pessoas têm direito de opinar”, sugeriu.

“A democracia tem suas falhas, suas imperfeições. De qualquer forma, ela ainda é o menos imperfeito dos sistemas. É o sistema que facilita para você contribuir equitativamente com a sociedade. Todas as vezes em que se faltou com respeito à democracia no Brasil, todos sofreram, principalmente os nossos cérebros. Se a nossa representação não estiver bem, temos que reconhecer que estamos falhando. Mas esse problema não é só brasileiro. A nossa história é cíclica, vamos ter sempre momentos de euforia e de depressão. Sempre teremos uma pedra no meio do caminho, e temos que trabalhar para que ela seja removida e consigamos avançar”, comentou o engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio.

Solidariedade e sustentabilidade
Quanto ao princípio da solidariedade, a economista o relacionou a uma solidariedade que abrigue o maior número de pessoas possível. “Uma nação se consolida quando ela tem por princípio a solidariedade entre seus integrantes, a valorização dos direitos e deveres do outro, a possibilidade de crescimento do outro. É um princípio importante, principalmente nas políticas públicas, governamentais e não governamentais. Para que as pessoas possam alimentar suas habilidades e sonhos”. 

A esse respeito, o engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio comentou que “o Brasil de hoje não é mais o Brasil dos anos 50. A mudança que houve na sociedade nordestina foi muito grande. Temos melhorias na habitação, na saúde, na alimentação. Agora, como poderemos otimizar os nossos avanços é a questão. Não podemos ficar escondendo a sujeira para debaixo do tapete. Não somos o país solidário, justo, que muitos ainda enxergam. Não podemos avançar com tantas contradições. Somos muito fracionados. Também parte da necessidade de cada um de nós tentarmos corrigir isso”. 

Por fim, em relação ao princípio da sustentabilidade, econômica e ambiental, a palestrante do projeto Terça no Crea, do Crea Pernambuco, apontou que “fica mais difícil propor um projeto nacional quando as pessoas não se inserem na economia. O respeito à natureza precisa andar junto à viabilidade econômica. Estamos nessa encruzilhada mundial. A natureza está nos informando que esse padrão não é sustentável para o planeta Terra”. 

Novamente, o engenheiro agrônomo Geraldo Eugênio comentou a fala de Tânia Bacelar, ressaltando também o atual cenário de pandemia. “Temos que pensar que estamos em uma situação extremamente crítica, a grande maioria sairá mais pobre dessa pandemia com desemprego, salários reduzidos, lojas e serviços fechados. Estamos em uma situação que merece uma grande reflexão. Não haverá soluções mágicas que retomem a economia já sofrida de 2019. O campo depende do dólar. Não podemos ficar encantados com uma situação em que um segmento se fortalece, o agro, mas temos uma indústria claudicante. Se a indústria dá sinais de cansaço, não tem como os serviços continuarem fortes. O mundo não é contra a agricultura brasileira. Nossa agricultura é extremamente importante para o futuro da humanidade. Mas não podemos confundi-la com devastadores do meio ambiente, pessoas que vendem a imagem de que não está havendo devastação ambiental e indígena no Brasil. Vamos ser melhores e mais fortes, se conseguirmos frear a ação perniciosa de boa parte de gente que está a se esconder atrás de quem faz a coisa de forma correta. O mundo está dando esse alerta para o que não está sendo bem feito”.

Heranças e futuro
Ao descrever “heranças pesadas” como a escravista, a formação do país e as estruturas econômicas, Tânia Bacelar considerou as desigualdades sociais, a lógica conservadora e exploratória, a crise da democracia representativa e as mudanças geopolíticas entre fatores que atuam sobre “um processo de mudança de padrões técnicos de produção, em um momento disruptivo que reorganiza a vida econômica, como comprova essa reunião”.

Moderador engenheiro civil João Recena
Moderador engenheiro civil João Recena também apontou a importância do envolvimento dos profissionais com os temas em debate no Crea-PE


“O que houve nos últimos seis meses é uma ruptura. Já que o home office demonstrou que muitos trabalhos podem ser feitos em casa, precisamos definir o que faremos com esses imóveis com pouco uso. Temos que ver também o que mudou no sistema de compras de uma empresa. São muitas implicações sobre os construtores, os produtores, para os mercados interno e externo. Nossas mudanças precisam de lideranças preparadas. Mas o Brasil tem tudo para dar certo. As expectativas apontam que seremos o quinto país mais rico da humanidade. Temos que trabalhar para fazer o nosso dever de casa para deixarmos uma nação mais justa, equânime e mais próspera”, considerou Geraldo Eugênio.

O moderador do webnar, eng. civ. João Recena, considerou que “se a gente quiser pensar um projeto de nação, temos que ouvir uma palestra dessa socióloga e economista, mas temos que ouvir como engenheiros, que sabemos que uma obra começa da sua fundação”. Já o presidente Evandro Alencar destacou que os quatro princípios elencados pela pesquisadora contribuem com os objetivos da atuação profissional do Sistema. “O crescimento do Nordeste pode ter sido aquém do que poderia ter sido. O Brasil cresceu, o Nordeste melhorou, mas um dos desafios que temos é como entregar ideias além do que está nos livros e nos programas de governo. Acredito que o projeto foi enriquecedor, está apenas começando, mas estamos acertando em cheio”, ponderou, convidando para o próximo debate.

Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea