Embrapa cai no mundo

Brasília, 27 de setembro de 2005
 
O principal centro de pesquisa agrícola de Moçambique foi batizado de Instituto Nacional de Investigação Agrária (INIA), mas poucas pessoas no país usam esse nome para se referir a ele. Pesquisadores, agricultores e funcionários do próprio governo costumam chamar o lugar pelo diminutivo de uma sigla bem brasileira: Embrapinha. Não é para menos. Referência mundial em desenvolvimento de produtos agrícolas para países tropicais, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) serviu de modelo e prestou consultoria para o planejamento do INIA.

Num próximo passo, treinará o corpo técnico, trazendo 22 pesquisadores para o Brasil e enviando 15 cientistas brasileiros para treinar os moçambicanos em áreas específicas. "Ficamos lisonjeados porque eles nos têm como modelo", diz Claudio Bragantini, pesquisador na área de tecnologia de sementes, que acaba de voltar de uma temporada de seis semanas em Moçambique. "Eles chamam o lugar de 'nossa Embrapinha' porque querem construir um centro de pesquisa com a nossa excelência."

A fama da Embrapa se expandiu, nos últimos anos, na mesma proporção em que o agronegócio brasileiro avançou no mercado internacional. Incensado ainda mais pela política de relações exteriores do governo Lula, que coloca representantes da empresa a seu lado em muitas viagens ao exterior, o nome da Embrapa foi às alturas. O resultado é que, praticamente todas as semanas, alguns dos 37 centros de pesquisa da Embrapa recebem pesquisadores de países como Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Namíbia e Nigéria. Além deles, apenas em 2005, a empresa recebeu a visita de 12 presidentes, ministros de Ciência e Tecnologia, Agricultura e Negócios Exteriores. "São países que querem alicerçar seu crescimento na agricultura", afirma Sotto Pacheco Costa, supervisor de cooperação internacional bilateral da Embrapa.

Parceria e concorrência - Caracterizada como secretaria ligada ao presidente da empresa até 2003, a estrutura de cooperação internacional ganhou o status de coordenadoria com o aumento da demanda pela expertise da Embrapa. Hoje, o departamento cuida de 275 acordos de cooperação técnica com 56 países e 155 instituições de pesquisa internacionais. As demandas são as mais variadas.

Há desde parcerias de desenvolvimento de técnicas e pesquisas agrícolas até criação de planos diretores ou e elaboração de projetos de pesquisa competitivos, como Bragantini acaba de fazer em Moçambique. "Pela cultura socialista, os moçambicanos têm o hábito bastante saudável de ouvir as demandas das bases", conta o pesquisador. "Mas elas têm de ser conectadas com as prioridades da instituição de pesquisa e do governo, que acabamos ajudando a determinar."

Uma das sugestões dos pesquisadores foi, por exemplo, de que a soja se torne uma das prioridades do governo moçambicano. "Eles reclamam de que o frango brasileiro entra em Moçambique muito barato e eles não têm como competir", afirma Bragantini. "A exploração da soja poderia mudar essa realidade." A priorização da agricultura familiar, em culturas tão variadas quanto caprinos e mandioca, é outra possibilidade. "A realidade deles é bem parecida com a do nosso agreste", diz. "No Brasil, ensinamos, com vídeos, os produtores analfabetos a usar técnicas agrícolas mais sofisticadas e certamente o mesmo poderia ser feito por lá."

Segundo ele, a estratégia é fazer com que o pequeno agricultor consiga produzir itens de maior valor agregado, como frutas tropicais, por exemplo. Com a proximidade de mercados como Oriente Médio, Ásia e África do Sul, seria a oportunidade de os pequenos ganharem dinheiro. "É um modo de sair da visão de curto prazo, pensando apenas em matar a fome, para se olhar mais longe", afirma Bragantini.

O pesquisador conta que praticamente todas as tardes, eles eram procurados no hotel em Maputo por grupos de investidores, que tinham ouvido falar da experiência da Embrapa e queriam informações para áreas de interesse, como fruticultura, pecuária e soja. Dúvidas sanadas com bibliografia, publicações e sites da Embrapa, os investidores eram informados de que o INIA tinha planos de trabalhar com algumas dessas áreas no futuro, já que a tecnologia transferida precisa ser adaptada a cada país. "Na realidade, os grandes grupos não ficam presos a questões regionais", afirma Bragantini. "O grande desafio é conseguir alternativas para a agricultura familiar."

Multinacionais brasileiras - De todo modo, os resultados estão aparecendo - e parecem estar agradando. Há cinco anos, o estado de Jigawa, na Nigéria, assinou com a Embrapa um acordo de cooperação técnica e treinamento. Com o sucesso do projeto, outros estados do país buscaram construir o mesmo tipo de parceria com a Embrapa. A demanda é tão grande que foi necessário assinar um acordo nacional, sacramentado durante a recente visita do presidente Olusegun Obasanjo ao Brasil. Nessa parceria, serão desenvolvidos em conjunto desde pesquisas em biotecnologia, controle biológico de pragas e doenças até manejo pecuário e do solo, nas cinco estações nigerianas de pesquisa experimental. "Por mais pobre que seja o país, sempre há ganhos para os dois lados", afirma Costa.

É verdade. Mas, mesmo com todo a popularidade da Embrapa entre os países em desenvolvimento, o ganho da empresa tem sido mesmo nas novas amostras de germoplasma, a matéria-prima básica da pesquisa agrícola. Instituição pública, a Embrapa não lucra ao dividir seus conhecimentos com outros países. Na verdade, as visitas e as viagens dos técnicos são pagas pelos países contratantes, na maioria das vezes subsidiados por algum programa de investimento do Banco Mundial, do BID ou da Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica). Em outros casos, parte dos recursos sai da Agência Brasileira de Cooperação, ligada ao Itamaraty. Segundo Costa, um projeto de transferência de tecnologia de dois anos, com idas e vindas de consultores dos países envolvidos, custa por volta de US$ 100 mil. Uma ninharia, perto de projetos que envolvem países desenvolvidos, cujo orçamento facilmente ultrapassa US$ 1 milhão.

A Embrapa também conhece bem esse outro lado - o das pesquisas de ponta em países desenvolvidos. Além dos Laboratórios da Embrapa no Exterior (Labex), nos EUA e na França, a instituição tem parcerias com boa parte dos países tropicais, donos de pesquisas avançadas no agronegócio, como Nova Zelândia, Austrália, África do Sul e Índia. Uma de suas metas, agora, é ter uma base sua nos países em desenvolvimento.

Uma das opões poderá ser uma parceria com as multinacionais brasileiras que têm negócios nesses países. A Vale do Rio Doce, por exemplo, associou-se à Embrapa na concorrência para a exploração da mina de carvão de Moatize, no vale do Rio Zambezi, em Moçambique. Para compensar o impacto ambiental com a exploração da mina, a Vale ofereceria à região uma série de programas sociais e de desenvolvimento. Entre eles, estaria a colaboração com a Embrapa no desenvolvimento do potencial agrícola da região. "É uma área parecida com a do Rio São Francisco, com grande perspectivas para a fruticultura irrigada", diz Bragantini. Outra opção seria uma parceria semelhante com a Petrobras em Angola, nas áreas de prospecção de petróleo.

Mas, ao ceder seus conhecimentos tecnológicos a países com clima semelhante ao Brasil, não estaria a Embrapa alimentando futuros e potenciais concorrentes? Certamente. "Pensando-se friamente, quanto mais países forem competitivos, mais difícil será conquistar os mercados", afirma Bragantini. "Mas seria uma mesquinhez gigantesca não dividir esse conhecimento porque a tecnologia tem prazo de validade e, ser competitivo, é sempre estar à frente e dar o passo seguinte."

Fonte: Portal IBEST