Segurança alimentar preocupa nutricionistas e engenheiros

Brasília (DF), 01.02.2005


Trinta e três por cento das crianças na África e na Ásia têm retardo de crescimento concentrado por causa de desnutrição. Este é apenas um dos dados preocupantes expostos na oficina sobre segurança alimentar e nutricional, intitulada “A Influência da Publicidade na Alimentação da População”, realizada no dia 28 de janeiro, no V Fórum Social Mundial (FSM). A oficina foi resultado de uma parceria entre o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) e o Confea.

"Pedro Lira"
Na avaliação do professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPA), Pedro Castro Lira, primeiro palestrante do encontro, o grande problema da fome no mundo reside no pouco conhecimento que se tem do assunto. “A visão adotada é uma visão unilateral. Como conseqüência da desnutrição se tem, entre outros problemas, um terço da população do mundo com anemia.”

Lira esclareceu que nem sempre essas pessoas são esteticamente o que o senso comum considera como desnutrida. Ele chamou atenção para a falta de orientação sobre o que é uma alimentação saudável e informou que no Brasil está havendo uma transição social: o nível de consumo de alimentos da população mais pobre está aumentando, porém ela é vítima da propaganda e mesmo comendo mais continua desnutrida e está se tornando obesa.

Dando continuidade a linha crítica de Lira a má alimentação, o pediatra Natanael Viuniski, da Associação Brasileira de Estudos sobre a Obesidade (Abeso), alertou que estamos vivendo uma transição nutricional. “Morre mais gente por excesso de comida do que por falta”. E chamou atenção para o fato de que no Brasil a cultura é de ter dó dos desnutridos e desprezo pelos obesos. Uma em cada dez crianças hoje é obesa.

Viuniski ressaltou que tanto as pessoas do pólo da desnutrição como do pólo da obesidade estão em risco alimentar. Ele atribui essa situação ao pesado marketing de alimentos com pouco teor nutricional. E enfatizou também que experiências mostram que pais e filhos até têm alguma informação sobre o que é saudável consumir, porém a propaganda de comidas com sabor artificialmente concentrado e com zero de nutrientes é muito forte. “É arrasadora! Existe uma forte relação entre a mídia e o consumo”, lamenta.

O pediatra informa que em países como a Noruega são proibidas propagandas dirigidas diretamente às crianças, porque elas estão em processo educacional e podem ainda não ter consciência do que é correto para a saudável alimentação. Porém, no Brasil, isso é livre e as crianças estão cada vez mais consumistas. Ele sugere que pelo menos tiremos proveito dessa situação. “Poderíamos usar o poder que as crianças têm sobre seus pais e fazermos propagandas positivas.”

Revolução Verde - A representante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Regina da Silva Miranda, reforça as opiniões dos dois primeiros palestrantes e acrescenta que a transição alimentar, além de afetar a saúde das pessoas, impacta diretamente na disponibilidade de alimentos. Ela critica a chamada Revolução Verde, que usou estratégia de guerra para a produção de alimentos. “Não deu certo. Aumentou a produção, mas não tornou a população bem alimentada.”.

"Maria Higina"
A representante do Sistema Confea/Crea, engenheira agrônoma e conselheira federal Maria Higina, fez um resgate histórico do aparecimento da alimentação, explicando o porquê da Revolução Verde não ter dado certo. “Antes, a família do campo produzia tudo o que consumia. A revolução levou a população a usar produtos químicos. Dentro da filosofia: ‘se irrigando e adubando tudo dá’, pouco se deu valor aos aspectos do meio ambiente e ao valor nutricional dos alimentos. O que importava era produzir para atender ao mercado.”

Higina lembrou que as políticas públicas para o campo não davam acesso ao crédito para quem não obedecesse às normas da Revolução Verde. As novas tecnologias eram voltadas exclusivamente para a produção em larga escala. “Foi tirado do agricultor o direito sobre a semente, hoje as grandes transnacionais são donas disso”, lamentou.

Para Higina, com o uso do agrotóxico houve um desequilíbrio da arquitetura da planta e a morte da vida no solo. “Quando se tira o mato do campo, se tira o alimento do inseto. Então não existe praga, existe inseto com fome”, disse, responsabilizando o uso do agrotóxico pelo desequilíbrio nutricional e taxando este modelo como suicida.

A agrônoma não poupou críticas também para o uso dos transgênicos. “Não sabemos o bem ou o mal que eles trazer aos seres humanos. Estão usando como marketing para os transgênicos o mesmo mote usado para os agrotóxicos, que eles vão acabar com a fome do mundo. Mas o uso dos agrotóxicos aumentou em 400% e só provocou um crescimento de 15% na produção de alimentos. Ninguém morre por falta de alimento, mas sim por falta de dinheiro para comprá-lo, então o que temos que reivindicar não é comida, mas o direito à dignidade.”

Bety Rita Ramos
Assessora de Comunicação